Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Gato sarado, dona arranhada, calendário de maio

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Gato Ulisses bem melhor! A sequela é que está bravíssimo comigo, que não paro de enfiar comprimidos, azeites e outros unguentos goela dele abaixo. O problema é o intestino inflamado, mas sobrou até pro olho, que está levando colírio três vezes ao dia. Ele odeia.

No início do tratamento, tudo se compensava quando eu vinha mimá-lo com o pote de ração úmida, mais cara que caviar russo, e que ele ama (e seus companheiros comem de lambuja em delírio gatífero). Hoje, para deixar claro que não somos mais amigos, ele olhou para a iguaria, começou a cobrir com a pata (tipo “isso é lixo”) e me olhou feio, como quem diz:

“Não venha me seduzir com esses ópios felinos… Sei muito bem que depois você vai enfiar aquela joça amarga na minha garganta.”

E partiu para o arranhador, onde sempre desconta suas mágoas e zangas. Ufa. Sinal de que está voltando ao normal, pois ele é assim, muito previsível.

Chave na porta? Ulisses pensa: “bora tentar fugir” ou “bora não deixar ninguém sair”. Na primeira opção, passa como um raio por entre as nossas pernas. Numa dessas, no prédio antigo, quase foi morto pelo chow-chow da vizinha, mas outra vez quase foi parar na portaria, para nosso desespero. E na casa provisória, nos deixou trancados do lado de fora, como contei nesse post aqui.

Quando está com preguiça, no entanto, Ulisses resolve que nenhum humano deve deixar seu reino: corre pra porta e se joga de barriga para cima, miando alto feito um lobo uivando pra lua, como quem diz: “Estou mal, muito mal, preciso de cuidados, e você, ó humano cruel, vai me abandonar aqui sozinho, forever alone…” É seu papel preferido — Ulisses-the-drama-king.

Nesses tempos de convalescença, seu maior consolo foi poder dormir com a Alice e saber da notoriedade aqui no blog. Vaidoso, não pode ver visita, entregador, porteiro, vizinho. Quer logo fazer amizade e ouvir: “que gato bonito”, “que gato engraçado”, “nossa, como ele é simpático”. Ele só não fica muito feliz quando reparam nos seus defeitos: “Ixe, a cabecinha dele é meio torta?”, “Ele não tem dente de um lado da boca?”, “Ele é agitado assim mesmo, feito um cão?”. E nós sempre respondendo: “É sim, sim, sofreu muito… Mas pode fazer carinho… Ele adora aventura e gente estranha.”

Assim estamos indo: ele bem melhor e eu mais pobre (de tanta despesa do tratamento) e toda arranhada (de tanto dar remédio), mas muito, muito feliz, de ver meu gatinho amado voltando a ser quem ele é.

Ulisses mal sabe, mas em breve, muito breve, ele vai ficar famoso de verdade! Cariocas, guardem a data: 11 de junho!

7 Coisas impossivelmente-legais-inusitadas-interessantes-engraçadas-difíceis-ou-dignas-de-nota da semana:

* Surpresa maravilhosa de uma aluna recém-chegada na minha vida: em plena segunda-feira, às 18:15 da noite, eu longe e preocupada com o gato, a Regina me entrega um livrão incrível e diz: “Olha, professora, lembrei de você…” Era simplesmente o “Margaret Mee – Em busca das flores da Amazônia”, um volume incrivelmente bonito e interessante, que me fez esquecer tudo de ruim do dia, da cidade, do país, do mundo. Muito obrigada, Regina!

* Alice assim, como quem não quer nada, está cada vez mais interessada nas aquarelas! Eu tinha um estojo parado na gaveta que agora está a pleno vapor. Todo dia de manhã a gente experimenta um pouco. São momentos mágicos vê-la se maravilhando com as misturas de cores, água e pincéis. Um simples conta-gotas virou um tesouro no seu estojo hoje!

* Li metade do romance que chegou via Estante Virtual na semana passada: O Senhor March, da Geraldine Brooks (Ediouro, prêmio Pulitzer), mas cansei. A melhor coisa foi o capítulo em que o personagem principal encontra Henry David Thoreau, pois descobri que o filósofo foi também inventor do lápis a grafite moderno! (E já deu vontade de comprar mil livros sobre a história do lápis, claro, mas o dólar tá caro…:-( ). O livro, no entanto, não me conquistou.

* No domingo, ganhei de presente de um amigo muito querido dois pincéis de aquarela maravilhosos  — e ainda por cima vindos diretamente de Londres, cidade para onde mais desejo me transportar num futuro próximo. (Oops, meu passaporte tá vencido.)

* Aliás, para quem ama Londres, design, arte, livros: o blog London Letters, do Claudio Rocha, é uma lindeza de ver e de ler!

* Um presente para todos que amam desenho: novo pequeno filme Tommy Kane Draws Hong Kong, Imperdível!

* E, pra terminar: esse é o 70º post do blog, justamente no mês em que chegamos a impossíveis 70.000 visitas!

Sobre o desenho: Calendário de maio inspirado nos desenhos das estações do ano de uma ilustradora romena que sigo no Instagram, perfil @aitch.ro. Como não ficava bem sair só copiando, incluí algumas referências de outonos da minha infância (as amêndoas, a flor do abricó-de-macaco, os caquis e as flores vermelhas da Escola Parque) e do Jardim Botânico (a folha de palmeira-de-leque-da-china e seus frutinhos roxos, e uma vitória régia). As nuvens azuis são ideia da @aitch.ro, e achei que eram perfeitas para o céu de maio. As linhas foram feitas com canetinha Pigma Micron 0.2, as cores com aquarela Winsor & Newton, pincéis waterbrush Kuretake e sombras com uma Pitt Brush Faber-Castell warm grey 270.


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Uma cidade, duas cidades

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Nosso gato Ulisses ficou doente essa semana. Entra na caixa, sai da caixa, agonia, miado. A veterinária é certeira: o problema é no intestino. Segunda-feira, às 8h da manhã eu já estava na porta da clínica de ultrassom em Ipanema (“a única que serve”, diz a vet-super-exigente; e quem sou eu pra contestar…) Cheguei cedo nesse pedacinho da cidade que quase não frequento desde a morte do Gilberto (Velho)…

Que conforto achar um banco de madeira na calçada! Entre a clínica e a loja de suco, sento-me com a caixa-e-o-gato-dentro. Ao meu lado, um senhor forte, pelos oitenta anos. Aos poucos, várias pessoas param para falar com ele. Oferecem suco, conversam sobre os filhos, falam mal da política… Todos o chamam de “sensei” — e me dou conta de que ele deve ser um mestre de artes marciais de alguma academia ali perto.

Durante os vinte minutos de espera, desenho as pessoas que vão passando. Sinto saudades de Lisboa, do Eduardo Salavisa a desenhar no Parque da Estrela, dos eventos da comunidade de desenho urbano.

“To know one town, you really need two towns.”

A frase é do artista Jonathan Twingley na sua aula na Sketchbook Skool dessa semana. A “arte”, ele diz, “é sobre tudo que está vivo”. Precisamos de liberdade (e prática, muita prática) para criar.

A orla, as montanhas e as lagoas do Rio são lindas, sim; mas conhecendo a vida em outras cidades é que sentimos o quanto vivemos apertados, cansados e estressados aqui. No ponto, no ônibus, no metrô, na faculdade, nas papelarias, na cobal: a expressão de fadiga é democraticamente distribuída. Que sorte a minha ter uma caneta e um caderno nessas horas!

6 Coisas impossivelmente-legais-inusitadas-interessantes-engraçadas-difíceis-ou-dignas-de-nota da semana:

* Alice toda feliz na volta da escola: “Mãe, hoje aprendemos matéria nova em português! Porque, por que, porquê, que, quê com acento!”

* Ouvir a voz de Mário de Andrade! Descobri a gravação de 1940 graças ao link enviado pelo querido André Botelho que compartilha comigo a paixão por esse escritor-músico-poeta-artista-tudo.

* Aula de espaço negativo e modelo-vivo no IFCS: palmas para a turminha nota mil desse semestre de Antropologia e Desenho!

* Fiz um novo sketchbook sozinha, com cadernos costurados, guarda de craft e capa-envelope… tudo nos moldes do que aprendemos na Palmarium, mas com tamanho 19,5 x 17,5. Papel de aquarela encomendado na Dritter: Conqueror Connosseur Soft White 300gr 100% algodão. Custo total com 48 páginas: menos de R$ 20,00 reais!

* Sorvete no feriado com as crianças… passam vários meninos e meninas vendendo balas e pedindo sorvete também. Meus filhos conversam comigo sobre a situação, falam que trabalho infantil é proibido, pensam nas alternativas e na falta delas. “Para onde poderiam ir, mãe?” “Será que não poderiam denunciar a tia (que os coloca pra trabalhar) na delegacia?” [Suspiro.] Vou comprar um picolé para os dois que nos pediram. O pequeno é tão pequeno que não sabe que sabor quer. Eu digo que manga é bom, mas ele se diverte pedindo cada hora um diferente. Depois se conforma com o de abacaxi, igual ao da irmã/prima. Apesar da tristeza da situação, me conforta saber que meus filhos, mesmo muito jovens, não são alienados ao mundo que os rodeia.

* E porque às vezes é preciso esquecer disso tudo: dia-de-correio-feliz ontem! Chegou um romance novo-usado por R$14,90 via Estante Virtual! (Se for bom, depois indico.)

E a semana de vocês?

Sobre o desenho: Canetinha Pigma Micron 0.8 (estava com saudade das linhas mais largas!) em caderninho Canson pequeno (A6). Adicionei as cores com aquarela mais tarde em casa.


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Artes, cadernos, livros e coisas impossíveis

Imaginem um lugar onde as marcas do tempo são belas, as falhas são histórias, as fragilidades são forças… Esse é o Atelier Palmarium, um espaço cheio de delicadezas, onde se respira fabricação de livros. Cada gesto de Cristina Viana, sua dona-artista, revive e reinventa tradições de centenas de anos…

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Suas mãos são como as dos artesãos que aprederam com seus mestres, que aprenderam com seus mestres, que aprenderam com seus mestres… Papéis, linhas, agulhas, instrumentos, tecidos, colas, pincéis, máquinas de apertar, de cortar, de gravar… Tudo isso se junta de forma ritual e cheia de mágica para fazer um livro ou um caderno — e lindos!

Tive o prazer de conhecer um pouquinho desse mundo no início de abril/2015, num workshop de encadernação do tipo códice. O objetivo era nos ensinar a fazer um caderninho com papel de aquarela, ou “sketchbook”, como dizemos no mundo do desenho.

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Essas são as imagens das minhas anotações das quase 8 horas de trabalho. Depois de uma certa altura, foi difícil continuar anotando, como vocês podem ver… Foram muitos detalhtes e coisas que nunca imaginei que existissem, medidas em 0,00 milímetros e precisas como num plano de vôo para a lua.

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Abaixo, o caderno pronto (à esquerda) com os desenhos iniciais mostrando a capa-envelope — uma pequena obra de arte em si mesma, proposta pela Cristina para que pudéssemos terminar o trabalho num dia só.

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Sobre os livros:

Toda essa aventura me fez lembrar de um monte de livros sobre livros que aprendi a amar ao longo dos anos… De tudo do Umberto Eco, do Robert Darnton e do José Mindlin, passando por Dom Quixote, pelos policiais de John Dunning, pelos textos da Alessandra El-Far, pelo livro sobre handmade-books que recuperei de um empréstimo, pelos “leitores-comuns” de Virginia Woolf e Anne Fadiman (cujo amor pelos livros foi tanto que levou seu filho a comê-los!), pelos autobiográficos de Anne Lamott, Stephen King e todos os seus companheiros-escritores de estante… E até do despretensioso “As memórias do livro: romance sobre o manuscrito de Sarajevo” de Geraldine Brooks (Ediouro, 2008, trad. Marcos Malvezzi Leal), porque fala de restaurações, ilustrações e páginas de um livro-tesouro que passa de mão em mão por centenas de anos.

Essa semana soube de duas pessoas que leram livros comentados por mim aqui no blog. Fiquei tão feliz! E me lembrei de indicar para vocês o blog “Seven Impossible Things Before Breakfast“, mantido por Jules Danielson, sobre os bastidores da ilustração de livros infantis (principalmente nos EUA). O arquivo do blog é vertiginoso, a seção de entrevistas é incrível e as imagens de ilustrações-em-processo são fantásticas.

O título do blog é uma homenagem a outro ícone dos apaixonados por livros: Lewis Caroll! É uma referência a um diálogo da Rainha Branca com Alice, em “Através do espelho”. Alice diz que “não se pode acreditar em coisas impossíveis”. Mas a Rainha discorda: “Quando eu tinha a sua idade”, conseguia “acreditar em até seis coisas impossíveis antes do café-da-manhã”!

Por que parar em seis?, pensou Jules… E todas as semanas ela também publica uma pequena listinha de sete coisas (Kicks!) “impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-hilárias-ou-dignas-de-nota” que aconteceram na vida dela relacionadas ou não a livros. E ainda convida os leitores do blog a compartilhar as suas nos comentários.

Acho que vou adotar a prática aqui no blog também, pois nunca consegui explicar nem pra mim mesma a palavra “coisas” no subtítulo que inventei (“desenhos, textos, coisas”). Ficam sendo “coisas impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-hilárias-ou-dignas-de-nota” que eu conseguir lembrar da minha semana passada, sem número fixo, que de fixa na vida já basta a conta da Light.

Coisas impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-hilárias-ou-dignas-de-nota da semana:

* Alice me deu muitos abraços na sexta-feira porque eu a fiz estudar uma matéria que, afinal, caiu na prova de matemática (apesar de ela jurar que não cairia).

* Ensinei o Antônio a escrever uma referência bibliográfica — ele foi o único da turma que apresentou a formatação “correta” segundo a professora. Eu não acredito em “formatações corretas”, mas valeram 2 pontos num trabalho! Ufa. Meus anos e anos editando livros não foram em vão…

* Descobri no forno um empadão com a palavra CLARA feita de massa que me fez chorar… (Presente-surpresa da nossa funcionária Jô para o aniversário da Clarinha.)

* Vi um documentário lindo: “Margaret Mee e a Flor da Lua” (6,00 reaiszinhos na locadora Cavideo).

* Ao invés de fazer o quase-atrasado relatório do CNPq, tenho lido textos e mais textos sobre ilustração científica, meu novo tema de pesquisa pelos próximos 3 anos!

Sobre os desenhos: Registros do workshop de encadernação feitos com canetinhas Pigma Micron e aquarelados no caderninho Laloran. Acrescentei algumas colagens de linhas, restos de papéis e tecidos. Muita gente viu os corações (na terceira imagem) e não reconheceu o local onde almoçamos… Alguém adivinha?

 


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Sem voz, de verdade

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O grande problema de escrever um blog é não poder se esconder direito na vida analógica. Não fica bem manter os posts em dia enquanto na vida real você está cheia de trabalhos atrasados, faltando aulas, fugindo da ginástica ou só doida para ficar quieta, sem vontade de fazer nada ou de falar com ninguém.

Na vida pré-digital, a coisa mais fácil do mundo era dizer pro chefe (ou pro orientador): “ah, não dá para ir hoje; estou com febre, dor de garganta, quase morrendo…” E pronto. Cama ou casa das amigas por um dia? Quem ia saber a diferença?

Agora, não basta ficar em casa doente; ainda tem o sacrifício de se desligar da internet. Imagina seu chefe (ou orientador, ou cliente, ou seus alunos!) lá do outro lado da telinha lendo seus posts ou comentários no instagram, twitter, facebook… Não pega nada bem…

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O pior é que a nossa personalidade eletrônica é sempre um tantinho (ou um tantão) mais bem-humorada, alegre e saudável do que a gente mesmo. Quem já não ficou de cama, mal-de-verdade, e mesmo assim conseguiu escrever um email, sms ou comentário super animado de feliz aniversário para um amigo querido?

Com o blog, é mais ou menos a mesma coisa. Como posso escrever e ainda desenhar quando digo para todo mundo que não estou bem? Ou super ocupada? Ou doente? Ou que não consegui terminar de corrigir provas, escrever pareceres, rever os trabalhos de orientação?

— “Ah, mas você postou no blog que eu vi!!”

— “Ah, blog é coisa de quem tem tempo, né? É super legal… mas eu não posso: tenho tantas obrigações-de-verdade!”

Só que nas últimas semanas fiquei malzinha sim; desmarquei reuniões e cheguei a faltar uma aula — coisa que é rara na minha vida de professora. A cabeça e os dedos estavam em forma mas, sabem como é… achei melhor deixar o blog de molho também. Vai que acham que estou inventando! (O pior é que na segunda-feira, dia 6, três horas de aula depois, fiquei sem voz de novo; de verdade.)

Sobre os desenhos: A minha semana santa foi curtinha (só 3 dias), mas deu para deixar a criançada aos cuidados da minha intrépida irmã, em Itaipava, aproveitando o restinho da dor de garganta para não poder cair em nenhuma água gelada e “só ficar desenhando”… Todas as imagens foram feitas lá no sítio, no caderninho Laloran de sempre. Os limões sicilianos foram roubados do Ronald, que acabou sem os drinques, de tanto que demorei no desenho… (Agora fiquei devendo uma versão grande para ele. Tá aqui registrada a dívida.)

Todas as linhas foram feitas com canetinhas Sakura Micron de 0.05, 0.2 e 0.4 (na imagem abaixo, fiz uma mistura: contornos com 0.4 e linhas internas com uma 0.05 quase seca). Apenas na primeira imagem, do jardim, não usei caneta. Foi uma tentativa, muito tosca, de captar as várias distâncias em diferentes camadas (céu, montanhas, árvores, moitas, grama…). Quase não postei aqui, de tanto que vi defeito; mas depois achei que tinha que publicar assim, feio mesmo. Afinal, não sou eu que vivo escrevendo que “só erra quem faz”? Pois. Quando eu crescer, vou ter a leveza da Shari Blaukopf, a graça da Marina Grechanik, o minimalismo do Prashant e a precisão da Geninne! Ou, talvez, nada disso: quando eu crescer, vou continuar sendo eu mesma, como um dia me disse a sábia Clarinha.

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