Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Agosto/2016 em viagem anti-inveja

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Passo o ano inteiro invejando as pessoas felizes do Facebook, com suas fotos de praias, sorrisos e passeios mundo afora, enquanto balanço no metrô, morrendo de preguiça de trabalhar. Agora, sou eu que estou viajando, mas fiquem tranquilos: prometo que está tudo péssimo. Aqui chove fazendo sol, e faz sol quando chove. Ou seja, o guarda-chuva nunca está na sua bolsa quando você precisa.

A comida é tão apimentada que até uma sopa de legumes te faz beber 5 litros d’água. Admito, a água é de graça e potável da torneira, mas os restaurantes não têm comida depois das 21:00 horas e o excesso de tapetes dá alergia até em quem nunca espirrou. Os ônibus têm hora marcada para chegar, mas são tão silenciosos que você se distrai no celular e não percebe que chegaram. Quando nota, já foram, e lá se vão mais 7 minutos e meio até o próximo!

Você economiza ficando num quartinho do Airbnb, mas no dia seguinte descobre que têm passarinhos na janela para te acordar às 5:35 da manhã. A cerveja é quente, as casas são velhas, os sotaques são impossíveis e os eventos têm música tão alta que ninguém consegue conversar. As pessoas te humilham distribuindo cartões coloridos feitos no Japão e ainda por cima ficam naquele vai não vai estranho porque nunca sabem com quantos beijos se despedir. Os patrocinadores te enchem de brindes, você é obrigada a comprar os livros dos amigos e depois acaba com a coluna para arrastar uma bolsa com 19 quilos sabendo que, no final do dia, não haverá farmácia aberta para comprar Dorflex.

Os banheiros públicos têm água quente, a Universidade faz treinamento anti-incêndio e te oferece WiFi gratuita que só termina de funcionar muitos quilômetros depois. Ok, até seria bom se você não se arrependesse da fortuna que gastou colocando um chip importado no celular! Na televisão, mulheres normais, de cabelos brancos e sem maquiagem, apresentam programas sobre arqueologia em horário nobre. Ah, e não falei dos preços… Custa quase meio salário mínimo para ter um Riocard com nome de ostra por uma semana, e são tantas linhas de ônibus, metrô e trem, que você se sente na obrigação de acordar cedo e ir para algum lugar!

Viu, gente, nada de inveja. Se vocês estão no Rio, sofrendo com os estudos para as provas de mestrado ou com os bloqueios olímpicos, fiquem tranquilos pois minhas férias têm sido só trabalho e sacrifício…

Alguém adivinha onde estou? 😉

Segue o calendário de agosto! Tive que improvisar fazendo uma montagem no Photoshop com a imagem das bolinhas porque não tenho acesso a scanner daqui.

Vocês podem imprimir a imagem em .jpg ou em .pdf.

Este é o primeiro post da viagem que fiz a trabalho em jul-ago/2016:

Viagem anti-inveja (Parte 2)
Viagem anti-inveja (Parte 1)
A liberdade de desenhar – Viagem com-inveja (Parte 3)
Londrinas – Ainda viajando (Parte 4)


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Biblioteca sonora

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“Meu coração é um pórtico partido | Dando excessivamente para o mar. | Vejo em minha alma as velas vãs passar | E cada vela passa num sentido.” (Fernando Pessoa)

Esses versos me acompanham desde a escola, porque eu e uma amiga fazíamos coleções de poesias e de trechos de livros. Os sons de certas frases parecem se acumular na nossa memória, como livros de uma biblioteca sonora.

Nem sempre é questão de escolha, e muito menos são apenas os bons sons que ficam. Quem não tem dificuldade para esquecer palavras duras, críticas, despedidas; uma voz ameaçadora, uma arma sendo engatilhada? Até hoje lembro do som das vozes que me deram as notícias, pelo telefone, das mortes de duas pessoas muito amadas. Sons e sensações que ecoam juntas pra sempre.

Mas é nos tesouros que quero pensar. A primeira vez que o Antônio me disse que eu estava bonita, com aquela vozinha de criança aprendendo a falar. As risadas da Alice ainda bebê e, mais tarde, ela cantando Asa Branca. Os vários momentos em que a vida acadêmica me disse passou, aprovada. As risadas de uma platéia querida; o momento em que escutei “meu sol, minha flor”.

De vez em quando gosto de sonhar com bibliotecas alheias também. Nunca vou me esquecer do Stephen King contando em sua biografia que, diante de suas fracassadas tentativas de escrever, sua mãe sempre lhe dizia: “Escreve outro, escreve mais.” E tomei emprestada essa mãe, como se a voz dela existisse na minha memória.

São palavras que me vêm à mente quando preciso de ânimo para enfrentar o que considero a pior forma de stress: — Qual o sentido disso tudo? Trabalhar, ser professora, estudar, dar aula, educar… pra quê, se nada do que faço parece consertar o mundo nem um pouquinho?

Talvez, como diz o poeta, sejam vários sentidos, indo e vindo. Cabe a nós escutar; cultivar a biblioteca que nos cultiva.

Coisas impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-ou-dignas-de-nota da semana: 

. O blog foi inundado com milhares de visitantes em busca das dicas de doutorado essa semana. Obrigada, sejam bem-vindos, boas defesas! Espero ter ajudado. ♥

. Uma das melhores coisas da semana foi entrar rapidinho no Facebook e me deparar com a aula de poesia sempre aberta na timeline do Carlito Azevedo (sobre quem já derramei elogios aqui). Dessa vez foi esse poema de Wislawa Szymborska::

DE CADA CEM PESSOAS,

as que sabem de tudo:
cinquenta e duas;

as sempre inseguras:
quase todo o resto,

as prontas pra ajudar
(desde que não demore muito):
no máximo quarenta e nove,

as sempre boazinhas
(porque não conseguem agir de outro modo):
quatro, talvez cinco,

as dispostas a admirar sem inveja:
dezoito,

as que vivem continuamente angustiadas
por alguma coisa ou alguma pessoa:
setenta e sete,

as capazes de serem felizes:
quando muito, vinte e poucas,

as inofensivas quando sós
mas selvagens quando em bando:
mais da metade, tranquilamente

as cruéis
quando as circunstâncias obrigam:
isso é melhor nem saber
nem mesmo aproximadamente,

as que depois já sabiam de tudo:
não muitas mais
que as que já sabiam de tudo antes,

as que da vida só querem coisas:
quarenta,
mas preferia estar errada,

as encurvadas, doloridas
e sem lanterna no escuro:
oitenta e três,
mais cedo ou mais tarde

as dignas de compaixão:
noventa e nove,

as que vão morrer:
cem, entre cem,
número que até hoje não sofreu qualquer alteração

Sobre o desenho: Dando asas ao meu amor pelas cores misturadas, pelas possibilidades de aprender mais sobre os tons, fui fazendo essas bolinhas ao longo de dois ou três dias da semana passada. Usei um pincel n. 3 que adoro da linha Anna Mason, da Rosemary & co. inglesa (são baratinhos se alguém comprar lá!) e aquarelas de várias marcas, no caderninho feito por mim com restos de um bloco Fabriano já amarelado pelo tempo. Pensando bem, não deixam de ser mini círculos sonoros em várias vibrações.


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Travessias

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Travessia, fuga, passagem, mar, transporte, morte, saudades, espera…  Se eu encontrasse o gênio da lâmpada, teria um só pedido: teletransporte universal. Que todas as pessoas pudessem se deslocar num segundo para os braços de seus amores, familiares, lares e terras. Acabariam as guerras, as lonjuras, a concentração das cidades.Seria possível viver no interior e trabalhar no litoral, ensinar na floresta, aprender no rio, levar comida, esperança e sol para quem precisa. (E não pediria amor, porque é sabido que os gênios podem tudo, menos implantar o amor no coração das pessoas. Se pudessem, não haveria necessidade de gênios, né?)

Lembrei do meu apreço pelos lugares de passagem — das pontes aos envelopes — vendo essa semana as imagens emocionantes de Eduardo Salavisa sobre refugiados em Portugal, iluminando um texto de Catarina Fernandes Martins e um vídeo de Frederico Batista para o jornal Público.

Desenhador imperfeito, como ele gosta de se denominar, Eduardo Salavisa é um dos artistas que mais admiro, por seus livros, seu blog, suas viagens, pelas redes que movimenta, pela pessoa que é. Seus traços e cores nos transportam… Seu afeto pelas coisas que desenha nos faz afetados por elas, promessa que muitas vezes a antropologia não consegue cumprir.

Vejam por vocês mesmos no vídeo acima de Frederico Batista (4:30′) ou leiam a matéria ilustrada Saudade de ti, quando vai chegar?

Sobre o desenho: Fiz o desenho que abre o post na plataforma da estação Uruguaiana do metrô do Rio com canetinha de nanquim permanente 0,2. Em casa, recortei e colei algumas imagens: o adesivo a-travessa (pedaço de uma etiqueta da Livraria da Travessa), a malinha (do folheto da exposição sobre as cartas de Augusto Boal do IMS) e pedacinhos de pacotes de chá que colei ou redesenhei. O bichinho no canto esquerdo é um carimbo de gato que botei numa nuvem. As cores foram pintadas em casa com aquarela e pincel de água Kuretake.

Links: Além do blog de Eduardo Salavisa, remeto a um dos posts preferidos que já escrevi: Não passei. E já ia me esquecendo: impossível não citar a travessia da Genifer Gerhardt no Tempo, com quem tive a honra de colaborar, como contei aqui.