Karina Kuschnir

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Seis dicas para ouvir e transcrever textos falados — ou como depender menos dos olhos na vida acadêmica

Óculos de brinde para ler muito de perto (aquarela @kk)

“…os meros fatos oculares podem ser enganosos. Feche os olhos, meu amigo, em vez de arregalá-los. Utilize os olhos do cérebro, não do corpo. …o senhor faz deduções a partir de coisas que viu. Nada pode ser tão ilusório quanto a observação.” (Poirot, em Morte nas nuvens, Agatha Christie)

Taí um livrinho antigo que valeu demais reler, ou melhor, ouvir! Depois de duas cirurgias e sete encrencas nos olhos em 2023, aprendi a utilizar vários aplicativos e sites para driblar esse mundo retinocêntrico da vida acadêmica. Compartilho com vocês, contando um pouco do que me aconteceu.

Precisei fazer uma cirurgia de retina de emergência em abril, com direito a gás e cinta de silicone no olho esquerdo. Foram 45 dias de bruços para a recuperação. Sim, vocês leram certo. De bruços.

1. Natural Reader – https://www.naturalreaders.com/online/ – De longe a melhor descoberta de 2023! É um aplicativo, site e extensão para o Chrome que lê textos da internet ou de arquivos doc, pdf e epub. Tem versão gratuita ou paga. A diferença é na qualidade das vozes. Todas são boas, só que as plus ou premium soam mais naturais. Fiz uma assinatura, mas Antônio usa e adora a versão gratuita. Tem vozes em 20 línguas, com recurso de highlight, anotação, pronúncia, pular cabeçalho, ajustar velocidade, marcar página e tornar fotos legíveis.

O NR é o app mais utilizado do meu celular. Já ouvi milhares de textos com ele: relatórios, projetos, teses, artigos e meus amados livros inteiros. Já passam de cem em seis meses. Ouvi desde Agatha Christie e auto-ajuda até obras de Maya Angelou, Beatriz Nascimento, Yaa Gyasi, Zora Hurston, Franz Fanon, Grada Kilomba, Edward Said, Virginia Woolf, Carolina de Jesus e Saidiya Hartman. Escutei autores antigos e colegas com livros no prelo, artigos ou dissertações.

No início, achei que o NR viria apenas me socorrer em um momento difícil. Meses depois, não consigo me imaginar vivendo sem a voz literária que ele me traz. Nem tudo ouço em qualquer lugar. Uma reflexão densa como a de “Silenciando o passado”, de Michel-Rolph Trouillot, precisa de concentração. Já o manual de anti-autoajuda “Quatro mil semanas”, de Oliver Burkeman, posso ouvir limpando a caixa dos gatos, lavando louça ou esperando o metrô. Já autoras como Angelou, Nascimento e Kilomba escrevem tão bem que tornam qualquer situação especial.

Uma utilidade bem-vinda do NR é reavivar a memória de textos já lidos. Revisar os materiais de aula deixa de ser entediante. É assim que estou relendo Truques da Escrita e os artigos indicados nas disciplinas do semestre. Recorro ao app também para ler rapidamente textos de estudantes e fazer a última revisão nos meus próprios escritos. O som ajuda a detectar na hora errinhos de digitação ou repetição de palavras, por exemplo.

Paninho da ótica Vista Nova (aquarela @kk)

2. Outras formas de ouvir textos – As ferramentas de leitura de texto em voz alta estão em vários softwares, sites e gadgets. Por meio do menu “Acessibilidade”, o Google (Google Docs e família) lê textos no celular e no Chrome. O problema é configurar as muitas etapas e ainda separar a informação a ser lida. O Word (seção Revisão, opção “Ler em voz alta”) tem boas vozes e uma leitura agradável, mas converter tudo em .docx não seria prático nem viável! O mesmo com todos os apps da Adobe (a empresa mais chata do mundo). Alguns modelos de Kindle lêem os textos, assim como apps do sistema iOS. A plataforma Substack e jornais como New York Times têm opção de play. Há os audiolivros — gratuitos e ruins, ou caros e chatos, hahaha. Há outras extensões de leitura para navegadores, como Read Aloud. Testei várias e, na minha experiência, nenhuma é tão boa, simples e eficiente como a Natural Reader.

3. Transcrição de textos com Telegram – Basta mandar um audio para o usuário @transcriber.bot do Telegram que seu texto será transcrito. É gratuita e ainda faz pontuação sem você ter que ditar “ponto” e “vírgula”. Ao contrário dos microfones do Google, a transcrição do Telegram têm uma excelente formatação no português. Na versão grátis, minha experiência é de bons resultados com audios de até 20 minutos. Em alguns horários pode falhar, mas é só enviar novamente. Na versão Premium (paga) do aplicativo, há uma opção de transcrever ao lado de todos os áudios. Testei por um mês; é ótima e estável. (Aprendi essa dica com a Hannah. Obrigada, flor!)

4. Transcrição de textos com Transkriptor – https://app.transkriptor.com/signIn – Esse é um serviço online de gravação e transcrição de áudio profissional. Há amostras grátis e assinaturas de várias quantidades de tempo (a minha é a básica, de 300 minutos por mês). Eu nem precisava assinar, mas não resisti, tamanha a minha felicidade em ver a qualidade do texto. Pensei nas centenas de horas que gastei com transcrição das minhas entrevistas etnográficas; e as outras dezenas de gravações de diários de campo que me causaram tendinite no doutorado.

Para mim, o melhor uso desse tipo de serviço é poder transcrever os áudios de trabalho. Desde que comecei meus problemas oculares, passei a fazer a primeira versão dos meus textos gravando ideias no Whatsapp ou direto no app do celular. Também já fiz sessões de orientação gravadas com alunos. Depois, é só mandar transcrever tudo e, como num passe de mágica, temos 8, 10, até 15 páginas de rascunho digitadas. Economiza tempo, energia e muitas tensões corporais! (Agradeço essa dica à querida Marize, amiga do grupo de apoio que mantenho no Telegram chamado Abraço Acadêmico. É só nos procurar lá ou clicar aqui.)

5. Transcrição de textos em outros apps – Teclado do Google (celular), Google docs (no celular ou navegador), Word (opção “ditado do Office”) e vários outros softwares e aplicativos transcrevem textos falados. O problema deles, na minha opinião, é a má qualidade da pontuação e a pouca praticidade. Talvez o menos piorzinho seja o do teclado do Google. Nos telefones Samsung, ir nas configurações, procurar “teclado padrão” e mudar para “Gboard” (pois é, nomezinho ridículo). Nos outros celulares deve ter um caminho parecido. Acho que vale para textos rápidos, mas não supera o serviço gravação-transcrição.

Journalist Studio, da Google – https://journaliststudio.google.com/pinpoint/collections – Esse seviço também promete transcrever audios e muitas outras habilidades. Foi dica de uma aluna que ainda não testei.

6. Dica bônus – traduzindo PDFs inteiros – Sabe aquele PDF interessante que veio em uma língua que você não sabe ou está com preguiça de ler? Então, agora o Google Tradutor permite que a gente envie um documento inteiro e o receba de volta em português. Eles colocaram novas abas: “Imagens”, “Documentos” e “Sites” na página inicial https://translate.google.com.br/?hl=pt-BR. Basta arrastar ou fazer o upload do arquivo para ter o conteúdo traduzido na língua que quiser. Estou começando a usar e achando promissor. Já penso nos artigos a traduzir para as disciplinas da graduação sem gerar sofrimento.

É isso, pessoal. Um viva aos sons! Boas gravações e audições para vocês. Depois me contem o que acharam. ♥

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Desde o último post, escrevi 1368 palavras. Piorei em relação à média anterior. Meu maior feito foi abrir um arquivo de 900 páginas e conseguir ler as primeiras 100 (no NR, claro). Preciso reservar um dia na semana para esse projeto.

Sobre a citação de Agatha Christie: Frases de Poirot na página 77 do romance “Morte nas nuvens”, de Agatha Christie (edição da L&PM Pocket, tradução de Henrique Guerra.)

Sobre os desenhos: Linhas com canetinhas Pigma Micron de várias espessuras no caderninho Laloran. Cores feitas com aquarelas, lápis de cor e um pouquinho de guache. Ganhei os óculos vermelhos de brinde da ótica Vista Nova, no Jardim Botânico (Rio de Janeiro). Conseguir uma receita correta e lentes funcionais para os meus olhos pós-cirurgia foi uma saga de quatro meses. Minha primeira aquarela pós-alta foi justamente a que abre esse post, seguida da outra, com o lencinho da ótica. Achei significativo desenhar os objetos que foram me trazendo de volta ao mundo dos videntes.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Seis dicas para ouvir e transcrever textos falados — ou como depender menos dos olhos na vida acadêmica“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-41A. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)

Vamos à Parte 2 da aula lúdica que fiz para a disciplina de Laboratório de escrita. Materiais e dinâmicas propostas estão na Parte 1, assim como a análise das duas primeiras perguntas.

Aqui chegamos ao que mais me interessava: como os estudantes se sentem em relação à escrita e à leitura na faculdade de Ciências Sociais? (As respostas são anônimas.)

Pergunta Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

No lado positivo, salta aos olhos que os alunos amam escrever sobre temas que lhes interessam. O mesmo ocorre quando conseguem vencer desafios, tipo “escrever um texto de 10 páginas”, ou conectar autores como “Freud e Lélia Gonzalez”. É desses trabalhos de vulto que eles se orgulham, e ainda mais se tiverem um retorno positivo por parte dos professores. Outra alegria é quando descobrem fontes e métodos, como pesquisar na hemeroteca da Biblioteca Nacional pela primeira vez.

Em relação às experiências negativas, a turma se dividiu entre três queixas principais: a) dificuldade com prazos (a maioria!); b) desgosto com autores e temáticas; c) rejeição a formas acadêmicas, como provas, resumos, formatações complicadas, trabalhos em grupo. Confesso que me surpreendeu ler apenas duas respostas sobre desafios emocionais (depressão e insegurança). Talvez esse tema tenha sido encoberto pelo problema dos “prazos”, com frequência ligado à ansiedade e outros sentimentos difíceis.

Ou seja, profs queridas, para estimular escritas, precisamos dar espaço para eles explorarem escolhas e fontes, mas lembrando de desafiá-los com propostas ambiciosas. Para dar certo, isso tem que vir embalado com cronograma e apoio para redigirem em etapas, sem deixar tudo para o último dia.

Resumindo, é o básico que a gente também precisa, né? Eu pelo menos queria uma prof assim! 😉

Pergunta Laranja — Fã ou Hater — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Essa pergunta trouxe uma contra-estatística maravilhosa do mundinho “das humanas”. As autoras mais amadas são mulheres negras: Lélia Gonzalez, Bell Hooks, Conceição Evaristo, Patrícia Hill Collins, Grada Kilomba, Sueli Carneiro. (Já os mais citados homens foram Paulo Freire e Franz Fanon). Dá para sentir o motivo… As escritas preferidas têm “sensibilidade” para tratar de “problemas do cotidiano”, geram “identificação”, trazem “vivências” próximas e “representatividade”. Como escreveu uma aluna: “lendo Conceição Evaristo me sinto ouvida, contada, vista”.

Em termos de forma, os estudantes preferem “textos simples que conseguem tratar de problemas complexos”, como concluiu o time Laranja. Querem escrita fluida clara, leve, vívida, original, compreensível, coesa, direta, sistematizada, de fácil entendimento, “sem perder a profundidade teórica”.

Falando assim parece tão simples. Só que não é! Haja revisão.

E chegamos aos “haters”. Pierre Bourdieu ganhou de lavada a corrida dos mais detestados, ainda que tenha tido um fã. Foi seguido por outros como Hegel, Durkheim e Gilberto Freyre — este associado ao racismo.

A turma foi direta na descrição do que desgosta: autores pedantes que escrevem textos pretenciosos, rebuscados, enigmáticos, enrolados, truncados, pesados, artificiais. São difíceis de entender e, por isso, dificultam a concentração na leitura. Além do racismo, a literatura acadêmica foi relacionada ao “academicismo”, “descritivismo” e “formalismo”. Um estudante resumiu bem: não gosta de textos que ficam “dando voltas e não dizem o que querem dizer”. Errado não está, né?

Confesso que até tentei defender Bourdieu, mas lembrei da época dos meus estudos para o mestrado em que chamei um amigo francófilo para me ajudar a lê-lo. Era um artigo publicado no auge da sua fase rebuscada. Meu professor olhou praquilo e disse: “isso não está em francês não!” Se ele que dominava a língua não estava entendendo nada, que chance eu teria? Deixei pra lá e rezei. (Deu certo.) Anos depois descobri que havia outros “bourdieus” e, embora não seja fã, consegui entender suas ideias.

Voltando ao assunto: concordo com tudo que a turma diagnosticou! Por isso nossos livros-chave para o Laboratório de redação são “Truques da escrita” de Howard S. Becker, “Quarto de despejo”, de Carolina de Jesus e “Cartas a uma negra” de Françoise Ega. A explicação para esse trio fica para um próximo post!

Boas aulas, pessoas queridas!

PS: Qual o objetivo disso tudo? Ao longo do semestre, essa aula consolida os critérios dos próprios alunos para revisão dos textos deles mesmos. Na prática, eles se dão conta de que precisam revisar muito para atingir os seus ideais de escrever bem.

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Conforme prometi no Instagram, vou escrever sobre o processo de produzir um texto acadêmico que preciso entregar daqui a 8 meses. Tem que ser algo inédito e decente. Começo esse diário de escrita com meu problema inaugural: sobre o quê devo escrever? Sou eu que decido o tema. Já consultei filhos, colegas, estantes e ainda não sei. Resolvi seguir a máxima que o Ju tanto gostava: escrever para saber o que eu gostaria de escrever se estivesse escrevendo! (Foi mais ou menos o que disse Marguerite Duras, H. Becker, Anne Lamott e um monte de gente que escreve sobre escrita.) Vou tentar seguir a ideia de escrever 300 palavras por dia, conforme disse que fazia no post Escrita Diária. (Às vezes me pergunto quem era essa Karina de 2017?) Prometo que volto semana que vem para contar.

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Esse post é continuação da Parte 1. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Apenas inverti a ilustração do post Parte 1 (a explicação está lá). Aproveito para contar que era assim que Leonardo Da Vinci (1452-1519) escrevia em seus cadernos. Os alunos acharam que eu estava brincando, mas é verdade, como explica esse simpático blog.

Você acabou de ler “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40VAcesso em [dd/mm/aaaa].


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)

Para animar, resolvi adaptar uma antiga aula lúdica para começar bem o semestre com minha turma de Laboratório de redação. Como na aula “brincando de pesquisar”, o objetivo era conhecer os alunos. Dessa vez, porém, foquei nas suas experiências com leituras e escritas, antes e depois da faculdade.

Material necessário: Algumas folhas coloridas em quatro cores diferentes. Comprei um pacotinho de A4 na loja Caçula da Rua Buenos Aires, perto do IFCS. Algo parecido com esse aqui.

Dinâmica: Como foi feita a aula:

Avisos — As respostas são anônimas; não é para nota; não tem certo ou errado; conta como participação. Pedir que tentem ser bem específicos nas respostas.

Preparação — Pedir para alguns alunos ajudarem a cortar o papel A4 papel em 8 pedaços, até que todos da turma tenham um pedaço de papel de cada cor.

Quadro — Escrever as cores e as perguntas no quadro (ver abaixo).

Alunos — Pedi que os alunos respondessem nos pedaços de papel colorido. Cada papel recebe duas respostas: positivas + e negativas -. Alguns alunos responderam no mesmo lado; outros escreveram mais e utilizaram frente e verso. Não importa. Não é necessário copiar as perguntas.

Amarelo — Qual é a sua lembrança de escrita mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Rosa — Qual é a sua memória de leitura mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

Laranja — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Pote para depositar a resposta — Por conta de outras dinâmicas, tenho uma caixa preta com um buraco no meio que utilizei para ir coletando os papéis com as respostas.

Organização por cores e grupos —Todas as respostas coletadas foram misturadas na caixa. Em seguida, colocamos o monte de papéis no chão e separamos por cores. Dividimos a turma em quatro grupos e cada um ficou com uma cor. Eles acabaram chamando os grupos de “times”. Ficamos com aproximadamente 8 alunos por time/cor. Nesse momento é importante que eles movimentem as cadeiras para sentarem-se juntos de seus grupos.

Debate intra-grupos — Cada grupo leu todos os papéis da sua cor e fez uma análise qualitativa das respostas positivas e negativas. Depois, cada aluno do grupo escolheu uma resposta significativa da sua cor para ler em voz alta.

Exposição e debate com a turma — Organizamos as cadeiras em círculo para que a turma toda pudesse se escutar, mantendo os integrantes de cada time próximos uns dos outros. O resultado da análise de cada cor foi apresentado para a turma por um aluno escolhido pelo grupo, sendo essa explicação depois embasada com as leituras das respostas escolhidas para serem lidas. Seguimos a ordem dos grupos acima: amarelo, rosa, verde e laranja.

Análise das respostas

Time Amarelo — Minha lembrança mais positiva de escrita foi… Exemplos: “quando escrevi meu nome pela primeira vez na escola”; “quando escrevi meu nome ensinada por minha irmã”; “quando fiquei entre os melhores em um concurso de redação”; “quando escrevia crônicas em um projeto extracurricular”; “quando fiquei fascinada pela caligrafia da professora”; “minha primeira carta ao Papai Noel”; “quando aprendi inglês com minha mãe”; “quando escrevi meu primeiro poema de amor”; “quando escrevia cartas para meus primos”; “quando me sentia livre para escrever em meu diário”; e “quando utilizava materiais novos comprados pela minha mãe”… A mais engraçada foi “a primeira palavra que escrevi foi OVO”. 😀 Uma resposta comovente dizia que “na turma de alfabetização, quando todos liam as sílabas em conjunto, sentia um sentimento de comunhão”.

Foi emocionante ter acesso às memórias afetivas relacionadas a escrever, revitalizando a ideia de que essa já foi uma prática prazerosa para eles.

Se as lembranças positivas são diversas e específicas, as negativas relacionam-se a experiências de avaliações ruins. Ser julgado traz medo e insegurança: notas baixas ou “vermelhas”, letras “feias”, erros bobos, falhas de ortografia, comparação com colegas, desespero na redação do Enem, pressão dos pais.

Time Rosa — As memórias de leituras positivas antes de entrar na faculdade trouxeram autores como Machado de Assis, Drummond, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Carolina de Jesus, Fernando Pessoa, Victor Hugo, Salinger, Saramago… Os alunos mencionaram romances, suspenses, biografias, clássicos, escritas feministas ou Lgbt, quadrinhos, ficção mágica, não-ficcção histórica, poesia. A resposta mais aplaudida foi: “Ler meu nome na lista de aprovados de um exame”. E uma das mais tocantes foi a da estudante que lembrou do pai lhe ensinando o poema “E agora José?” de Carlos Drummond de Andrade.

As leituras mais lembradas como negativas eram livros específicos (tipo, não gostei de “O mago”) e aquelas feitas por obrigação, como manuais, livros famosos (tipo “O pequeno príncipe”) ou clássicos indicados pela escola. Foi interessante um estudante que mencionou ter odiado Machado de Assis no ensino fundamental e, do outro lado do papel, escrever que depois este se tornou seu escritor preferido. Como na pergunta anterior, aqui também apareceu o trauma gerado por métodos de disciplina rígidos e ríspidos.

(Tá muito grande, então, continua na Parte 2! Spoiler: a análise do time laranja foi a mais importante, por isso o post se chama Fã ou Hater)

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Dizem por aí que toda antropóloga é uma fofoqueira profissional. Assumo o título! Já escrevi que virei fotógrafa, jornalista, pesquisadora, professora e desenhista porque gosto de gente. Amo detalhes, nomes, histórias, gostos e desgostos. Além do mais, como professora, tenho um semestre pela frente, com o desafio de sair viva no final. Espero contagiar meus alunos nessa disciplina, já que são eles os professores do futuro. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Fotografei quatro pedacinhos do exercício com o celular e editei no Photoshop para ficar neste formato. O scanner não conseguiu pegar as cores fosforecentes dos papéis. Então utilizei o app CamScanner para capturar as imagens. Dá para utilizar na versão gratuita e é útil para transformar qualquer pedaço de papel em documento legível. Inclusive transforma foto em texto.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40h. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Agosto/2019 – Pedacinhos de memória e afeto

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Calendário de Agosto de 2019 e .PDF para imprimir feitos!

Tentei caprichar pra vocês, gostaram? As imagens são todas inspiradas em bolsinhas, sacolas e estojos que tenho de verdade. Esse é mais ou menos o meu acervo inteiro, fora uma bolsa preta que uso todos os dias.

Os tamanhos estão fora de escala porque tive que adaptar aos espaços do desenho. Cada uma tem sua história, bem no espírito de uma aula lúdica que expliquei aqui.

Das 22 peças, só 5 não foram presentes! Minhas preferidas são as herdadas da minha avó: a mini mochilinha Kipling verde e a mini bolsinha amarela eram de uso dela, até os seus 98 anos. A bolsa rosa de alça bem comprida ela me deu há muitos anos. É de feltro, com umas flores bordadas, uma coisa que eu nunca compraria mas que aprendi a adorar.

A bolsinha porta-moedas com um símbolo da Suiça foi presente da minha tia-avó, para quem comecei a escrever cartas desde que me entendi por gente, um amor gigante. A necessaire em formato de xícara de chá veio da amizade mais antiga, desde os 14 anos, uma amiga com quem venho trocando cartas infinitas a vida inteira.

As duas bolsas coloridas de alça curta à direita são do Nepal, presente da minha ex-sogra.  São como colchas quilt, de tecidos emendados, com bordados por cima. Pequenas obras de arte! O lápis-estojo veio de Portugal, esse lugar da saudade do Ju e que sintetiza tanto nosso amor mútuo e pela escrita. Os panos enroladinhos são guarda-pincéis, ambos presentes de amigas queridas. Como a bolsinha transparente (que veio numa compra de materiais da Winsor & Newton), remetem à paz da pintura. 

A antropologia está na sacolinha da Reunião da ABA de 2006, em Goiânia. Veio com um tecido de grafismo indígena e é o meu brinde de congresso favorito até hoje. Por estranho que pareça, tem vida acadêmica também na bolsa roxa, presente de uma amiga guru que ficava hospedada na nossa casa quando vinha ao Rio se enfurnar nas bibliotecas e no mundo do século XIX. 

E por aí vai… São pedacinhos de memória e afeto.

A maioria está bem usada e gasta, mas minha vontade de comprar coisas novas é zero. Podem me bombardear de anúncios. Estou vacinada. Já tenho mais do que o suficiente para viver (embora as camisetas estejam furando cada vez mais rápido, como já conversamos, socorro!).

Nossos vazios interiores não vão ser preenchidos por coisas, nunca. Cantar com a Alice, desenhar com o Antônio, trocar com os amores e amigos, viver com os livros, as tintas e os alunos por inteiro. Reconhecer a beleza das nossas memórias, mesmo as rasgadinhas e doídas, cuidar das plantas, dos bichos e das pessoas. É nisso que tenho me apegado.

Li essa semana que, na véspera da Segunda Guerra Mundial, Virginia Woolf se desesperava ao ouvir os discursos racistas e fascistas de Hitler no rádio. Seu marido a acompanhava, horrizado. Até que um dia, Leonard Woolf se recusou a escutar. Preferiu ficar no jardim, plantando suas flores, com esperança de que iriam florescer por muitos anos e, até lá, Hitler já estaria morto.

Plantemos flores, conhecimentos, redes solidárias feitas de gentes. Sobreviveremos aos facínoras do nosso tempo.

Fonte: A historinha do casal Woolf está na página 197 do livrinho “Keep Going”, de Austin Kleon, e foram originalmente contadas nas memórias de Leonard Woof, “Downhill All the Way”. Acabei não resistindo comprar esse livro porque tenho ouvido entrevistas com o autor que é um produtor incansável de diários, prática que retomei nas últimas semanas. Recomendo esperar a tradução, que com certeza virá pois é um desses best-sellers de auto-ajuda para artistas. O primeiro dele, “Roube como um artista”, foi publicado no Brasil pela Rocco. Gostei mais desse último, mas por favor, gente, não saiam esperando grandes profundidades: é uma obra bem modesta, que se lê em poucas horas.

Sobre o desenho: Desenhei observando com canetinha de nanquim permanente Unipin 0,2. Depois colori com vários lápis de cor e fiz alguns detalhes com canetinhas Pigma Micron coloridas. Acho que a base do calendário ficou mais nítida porque venho utilizando um scanner-impressora novo! Tinha comprado em fevereiro (!) mas só em junho tive fôlego para instalar, acreditam? É uma multifuncional Epson L396, sugestão da minha professora de Photoshop. O scanner é mil vezes melhor do que o da minha antiga e basiquinha HP. A impressão ainda não testei muito. É com EcoTank, ou seja, com quatro cores separadas, o que supostamente será uma economia a longo prazo. Mas achei a impressão rápida em preto bem fraquinha e um tanto lenta. Só fica boa se colocar o setup na qualidade normal ou ótima. Enfim, só testando mais. Depois conto aqui.

Boa semana! ♥

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2019. “Agosto/2019 – Pedacinhos de memória e afeto”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3Lb. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Querido diário

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“Querido diário,
Oi, hoje quando acordei estava uma chuva danada, aí fiquei vendo televisão, afinal não tinha nada para fazer. (…) Depois eu joguei War com meu irmão e como sempre perdi.” (K, 11 anos)

Tenho lido diários de escritores. Não gosto de reler os meus, principalmente os da infância… As minhas páginas são uma coleção de fracassos e eventos banais. No colégio, eu penava nas aulas de Educação física, onde havia duas Sílvias, a professora e a melhor aluna:

“Rio, quarta
Hoje foi um dia comum, tive educação física, e outra vez fiquei morrendo de ódio só que desta vez foram das duas sílvias (com letra minúscula). A pequena ficava dizendo que eu não sabia jogar, e como tinha gente demais ela dizia que era para eu sair. Quando alguém errava a bola ela falava: Aí, a bola foi na sua frente! E quando a bola ia pra ela, ela errava e dava um risinho idiota. Hug! que raiva. Karina” (11 anos)

Sei que nunca fui popular, mas guardava uma imagem de ter sido boa aluna, interessada nas aulas. Nos diários, escrevo para contar essas alegrias? Não. Encontro isso:

“Acho que o mês foi positivo, apesar de eu ainda não ter muitos amigos na escola. Estou muito chatiada com isso. Quarta feira passada eu fiquei muito chatiada, eu quase chorei. Quando formaram os grupos na aula ninguém quis que eu entrasse no seu grupo e ainda assim eu entrei porque a [professora] mandou. E elas ainda ficaram reclamando. Um beijão da Karina. Tchau!!!!!” (12 anos)

Na minha memória, eu era uma criança apaixonada por livros, que amava a biblioteca do bairro e a da escola. Nas páginas do passado, estou sempre vendo novela!

Oiíííí… gostou do meu oi? Poxa, eu tô chateada, sabe o que é? é que Água Viva acabou e agora vou ter que ver aquela novela ridícula “Coração Alado”. Não aguento mais essa Janete Clair, uma careta. (…) Hoje tive aula de Datilografia, adorei! (…) De noite a mamãe trouxe uma amiga pra cá. Jantamos e fui ver Planeta dos Homens e Malu Mulher. Um beijão, Karina” (11 anos)

Foi uma fase difícil: mudei de escola, tinha medo de bomba atômica, estava virando adolescente e percebendo que não tinha pai. Aqui e ali, registrei que gostava das aulas de datilografia e de andar de bicicleta; outro dia, minha empolgação por trabalhar como babá das minhas sobrinhas, uma praia, um livro, várias brigas de irmãos; eu sempre escrevendo cartas e querendo ser certinha:

Ah!! Uma coisa que eu tava louca pra te contar. Sabe a minha professora de violão, pois é, eu não tô confiando muito nela não, sabe porque? Eu vou te contar. Ela tem 13 anos, e não é lá maravilhas no violão, e tá sempre desmarcando as aulas falando que vai ligar e não liga. Sabe o que eu penso? Eu acho que ela não tem responsabilidade, né?! (K, 11 anos)

Coitada dessa professora, aos 13, sendo criticada pela aluna de 11!

Ao final, acho graça de perceber que, mesmo depois das histórias mais tristes, eu terminava o registro do dia com uma despedida animada:

Gostou? Por hoje é só! Um beijo e boa noite. Até a próxima. Já vou. Amanhã tem mais! (K, 11 anos)

Será que eu já pensava em escrever um blog?

A ideia de fazer esse post veio das minhas leituras atuais (depois conto) e dos cadernos feitos à mão pela artista Marilisa Mesquita, que registrei nessa página durante a viagem à Portugal no ano passado. São forradinhos de papel ou tecido, cada um mais bonito do que o outro — tem até caderno-colar. Nesse dia, no café da Fundação Gulbenkian, tive a sorte de apresentar a Marilisa às queridas Sonia Vespeira de Almeida e Ana Isabel Afonso, duas pesquisadoras que admiro imensamente. Ai, que saudades dos amigos de Lisboa! (Mais sobre Portugal nesses posts aqui.)

Sobre o desenho: Linhas feitas com canetinhas Pigma Micron 0,2 num caderno Stillman & Birn, Delta Series, Ivory, 270 gr., 8 x 10 inches. Depois colori com aquarelas diversas, deixando secar bem entre uma camada e outra. Na parte inferior do desenho, brincamos juntas com o carimbo (também feito pela Marilisa) e as tintas da aquarela mesmo.

Você acabou de ler “Querido diário“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “Querido diário”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3DW. Acesso em [dd/mm/aaaa].
 

 


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Minhas memórias do NuAP – Núcleo de Antropologia da Política

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Pessoas queridas, essa semana participei de um evento em comemoração aos 20 anos do NuAP – Núcleo de Antropologia da Política. Compartilho com vocês as memórias que escrevi para apresentar lá que são, sobretudo, uma homenagem ao professor Moacir Palmeira.

Espero que gostem! Com o desejo de um final de semana tranquilo para todos nós.

Minhas memórias do NuAP  – Karina Kuschnir

“Começo agradecendo ao convite dos professores Moacir Palmeira e Marcos Otávio Bezerra para participar desse evento, assim como a John Comerford e a todos do NuAP, de ontem e hoje.

Queria dizer logo o mais importante: participar do NuAP foi um sonho para mim, uma alegria enorme, um privilégio. E não digo isso porque estou fazendo um balanço 20 anos depois. Não. Desde o momento em que fui convidada a participar, pensei no quanto eu estava tendo uma oportunidade especial e rara, tipo, eu era feliz e sabia!

Explico melhor. Foi uma chance inacreditável nos meios acadêmicos. E por quê? Porque eu era uma aluna de pós-graduação e não estava vinculada como orientanda a nenhum dos professores do NuAP. Minha participação se deu em nome da produção de conhecimento, pela afinidade temática das pesquisas.

Em 1992, quando o professor Moacir Palmeira publicou “Voto: racionalidade ou significado?”, o que acredito ser o primeiro dos seus artigos no campo da antropologia da política, num dossiê da Revista Brasileira de Ciências Sociais, eu estava fazendo trabalho de campo entre os parlamentares na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.

Tanto esse artigo de 1992, quando o texto “Política, facção e compromisso”, também de Moacir, de 1991, apresentado no “Encontro de Ciências Sociais do Nordeste” estão na bibliografia da minha dissertação, defendida em 1993, no PPGAS/Museu Nacional/UFRJ.

Fiquei fascinada e influenciada por esses trabalhos pois, até então, a única tese de antropologia sobre políticos que eu conhecia era a da Cecília Costa, feita basicamente por meio de entrevistas em 1980.

Não por acaso, quando decidi pelo tema da política, num mestrado de antropologia, fui fazer cursos optativos em outras pós-graduações: na Ciência Política, do Iuperj, com o prof. José Murilo de Carvalho, e no programa de pós em História da PUC-Rio, com a professora Margarida Neves. Essas duas interlocuções – com a bibliografia e os amigos cientistas políticos e historiadores – foram bem importantes para mim.

No mestrado e no doutorado, fui orientanda do professor Gilberto Velho, de quem também fui assistente de pesquisa por vários anos. O Gilberto sempre teve um trabalho muito intenso de reunir seus alunos, estimulando nossas trocas e colaborações, mas não havia no grupo ninguém trabalhando com política além de mim.

Portanto, desde 1993, comecei a participar e trocar com colegas que viriam a formar o NuAP alguns anos depois (1997). Essas eram as interações mais importantes e significativas para mim, ansiosa por me sentir “antropóloga de verdade”.

Isso foi tão forte, que a memória prega peças. Eu achava que minha primeira comunicação num congresso acadêmico tinha sido na Reunião da ABA de Niterói, em março de 1994, porque nessa ocasião eu e várias pessoas do grupo que formou o NuAP estávamos num GT assistido e comentado pela Mariza Peirano. Fiquei tão nervosa e, ao mesmo tempo, feliz, que esse evento ficou um marco. Revendo um currículo antigo, porém, de antes do Lattes, percebi que não, essa não foi a minha primeira comunicação científica. Eu já tinha apresentado trabalhos na Anpuh e no Iuperj!

Nesse mesmo ano, de 1994, entre agosto e setembro, ocorreu o primeiro evento de antropologia e eleições, que muitos aqui certamente participaram. Mais uma vez, tive o privilégio de falar, ainda iniciante, num ambiente de pesquisadores que eu admirava, com interesses tão próximos aos meus. Nessa mesma época, também tive a sorte de entrar para o doutorado no PPGAS, em agosto, na mesma turma que Marcos Otávio Bezerra, cujo trabalho tanto admiro.

Logo no semestre seguinte, em 1995, vivi um dos grandes momentos da minha vida acadêmica: fiz o meu primeiro curso com o professor Moacir Palmeira, intitulado: “Poder, dominação e política nos estudos de comunidade”. Posso dizer sem sombra de dúvida que foi uma experiência fantástica, que só aumentou a admiração pelo autor, professor, pesquisador. Realmente não tenho palavras suficientes para elogiar suas aulas e o tanto que aprendi nesse semestre, com ele e com os colegas, como o Marcos, Gabriela (Scotto), Renata (Menezes), entre outros. E pela primeira vez tive um professor que anotava o que eu falava!

Ali também se configurava para mim uma lição do melhor da antropologia: a leitura de autores de diferentes correntes teóricas (tanto da sociologia quanto da antropologia) e nacionalidades, pesquisando em várias partes do mundo, selecionados pelo professor em prol do livre debate de ideias, sem visões salvacionistas, sem ceder aos modismos.

Em 1996, vieram os primeiros eventos do futuro NuAP – que se forma oficialmente em 1997 – e a oportunidade de irmos a Fortaleza e trocarmos de modo mais próximo e intensivo.

Intensidade acho que é a palavra ótima para definir esses primeiros anos do NuAP. Nós trabalhávamos tanto que fui a Fortaleza e voltei duas vezes sem sequer pisar na areia da praia! E, pensando bem, assim eram as aulas do Moacir também: começavam um pouquinho atrasadas mas não tinham hora para terminar.

Eu vivia entre dois mundos, como vocês já podem estar imaginando. Precisava acordar às 6 da manhã, para estar às 7:30 no Museu no horário do Gilberto. Mas fazendo pausas para muitos pães de queijo, que o Gilberto não ficava sem comer de jeito nenhum.

Na parte da tarde, nas aulas do Moacir, ai de quem pensasse em comer ou parar de discutir teoria antes das 7 da noite! Haja amor pela antropologia!

Nos eventos de pesquisa, havia um contraste parecido. Gilberto era sincrético, eclético, social, extremamente produtivo e obsessivo, mas sempre querendo chegar na parte dos salgadinhos e do vinho!

Moacir me parecia o oposto: metódico, focado, intenso, seríssimo. Ao ponto que um dos eventos do NuAP foi marcado num convento em Santa Teresa – nada de distrações, nem álcool!

Pelo menos essa era a visão de uma jovem pesquisadora, não-orientanda dele, que o via como um dos grandes sábios, junto, é claro, com Mariza Peirano, Beatriz Heredia, a Irlys e o Cesar Barreira, o Odaci Coradini e todos os demais colegas com quem tive o privilégio de conviver, principalmente nos primeiros dez anos do Núcleo.

A Mariza, de quem depois daquela ABA conheci a delicadeza, foi autora muitos artigos e livros (como A favor da etnografia e Teoria vivida) que me marcaram, e organizadora de “O dito e o feito”, assim como orientadora de vários trabalhos importantíssimos do acervo do NuAP.

Em 2006, quando entrei para o IFCS, tive a sorte de passar a conviver e oferecer cursos em colaboração com a professora Beatriz Heredia, autora e co-autora com Moacir dos trabalhos seminais da área de Antropologia da Política que vieram a ser reunidos no volume Política Ambígua, certamente um marco na história da antropologia brasileira.

Aliás, tenho falado de aulas, eventos e convívio, mas talvez não tenha enfatizado o principal. Para mim, tudo começou com a leitura de dois artigos do Moacir… e foi se tornando uma grande bibliografia de textos, dissertações, teses, capítulos e livros que geraram um conhecimento enorme sobre a sociedade brasileira, em toda a sua complexidade.

Do candidato que abre a panela de feijão, passando pelo eleitor que faz suas apostas e se diverte no tempo da política, ao debate com a literatura nacional e internacional, sempre privilegiando o etnográfico e o comparativo como eixos centrais. Tudo isso está analisado, discutido e registrado nas páginas do selo NuAP, formando um capítulo importante da teoria antropológica brasileira.

É, sem dúvida, um grande legado, e agora acessível online. Nossas conversas continuaram acontecendo no papel, nas citações mútuas, nos enormes aprendizados que tivemos uns com os outros e que passamos para os nossos alunos e orientandos. Nesse último semestre, uma turma de alunos de graduação do IFCS ficou encantada ao descobrir e escrever trabalhos baseados nas publicações do NuAP. É tão bom ver tudo isso vivo e circulando entre as novas gerações.

Só tenho a agradecer por ter feito parte dessa história. Muito obrigada.”

Comunicação apresentada na mesa: Antigas colaborações, novos debates. Vinte anos do NuAP – Núcleo de Antropologia da Política. Rio de Janeiro, Museu Nacional, Auditório do Horto Botânico, em 7/07/2017.

Sobre os desenhos: Páginas do caderninho que levei para anotar durante o evento. Utilizei uma canetinha Bic comum, colorindo com algumas canetas pincel Tombow das cores azul escuro e cinza, além de uma Koi Sakura brush azul clara. O caderno é um Cícero pautado, A5, folha bem comum, 75gr., daí as canetas vazarem de uma página para a outra.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2017. “Minhas memórias do NuAP”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/s42zgF-nuap. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Memória visual, espaços e cotidiano – Ideia para aula lúdica (4)

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Ser professora, para mim, é viver numa eterna dúvida: será que tenho conseguido afetar positivamente meus estudantes? De vez em quanto a fortuna responde: sim! Pois imaginem minha felicidade quando um ex-aluno veio me pedir dicas para reproduzir uma aula do ano passado na turma em que é monitor. Como eu ainda não tinha escrito sobre essa atividade, pedi um tempinho para me organizar. Segue o plano para vocês (e para ele)!

Objetivos da aula:

. Produzir registros gráficos sobre o entorno do campus universitário, feitos pelos estudantes que o frequentam.

. Refletir (através dessa prática) sobre como lidamos com os espaços e caminhos por onde passamos cotidianamente, promovendo um debate sobre as várias dimensões de olhar, ver, enxergar, distinguir, conhecer, apreender, memorizar, registrar.

. Compreender que os mesmos espaços são percebidos e significados de formas diferentes pelos indivíduos, embora também possamos encontrar padrões mais coletivos de percepção.

. Empreender uma experiência de aula que gere conhecimento e transforme, nos fazendo sentir que aprendemos algo a partir de uma prática associada à reflexão.

. Lembrar que uma atividade de pesquisa pode ser divertida e interessante; pode ser vivida como um enigma, um quebra-cabeça que desvendamos.

. Fortalecer a autonomia: mostrar que podemos e devemos pensar a partir dos nossos dados, classificá-los e interpretá-los.

Material que precisa ser preparado antecipadamente:

. Antes da aula, é preciso tirar as fotografias que serão mostradas na segunda parte do exercício. No meu caso, fui com dois alunos de iniciação científica fazer o percurso no entorno do prédio onde trabalhamos. Tiramos 60 fotografias, procurando mostrar tudo que solicitamos aos estudantes que se lembrassem (ver a lista abaixo). Essa etapa de registro é por si só muito interessante. Mesmo que você não tenha alunos de iniciação científica, aconselho chamar dois ou três estudantes (ou colegas professores) para participar dessa etapa, pois a percepção de várias pessoas tornará mais instigante decidir o quê, e como, registrar. É importante que esse grupo não compartilhe a experiência com os demais alunos antes da atividade.

. Solicite aos alunos que levem lápis de cor ou canetinhas para a aula, mas não explique qual será a atividade. Bastam algumas cores básicas.

Material necessário para a aula:

. Canetas para quadro branco (ou giz, em caso de lousa tradicional).

. Fita adesiva ou fita crepe.

. Papeis A4 brancos. (Se possível, levar 1 folha para cada aluno.)

. Lápis de cor ou canetinhas. (É sempre bom ter um pequeno estoque de lápis-de-cor e canetinhas para os alunos que esquecem de trazer o material.)

. Notebook e Projetor de datashow.

. Pen drive com o conjunto de fotos preparado antecipadamente.

Dinâmica – Como conduzo a aula:

. Entrego uma folha de papel A4 para cada aluno. Peço que separem o material de desenho (canetas comuns e lápis de cor).

. Explico que o trabalho não tem certo ou errado e só conta como participação (ou seja, não é para nota!).

. Abordo o tema da aula: como lidamos com as informações visuais no nosso cotidiano? O que vemos? O que memorizamos?

. Escrevo no quadro o nome de 5 logradouros (o prédio da universidade e cerca de 4 a 5 ruas, praças, avenidas à sua volta). Peço aos alunos para desenharem, com caneta preta, um mapa contendo esses locais. A ideia é ocupar a folha A4 inteira.

. Não especifico como devem desenhar; deixo por conta da interpretação de cada um. Tento criar um clima de brincadeira, mas explicando que o trabalho é individual; o aluno não deve consultar os colegas.

. Em seguida, peço aos estudantes que comecem a registrar graficamente as informações listadas abaixo. É fundamental indicar 1 item de cada vez, esperando que todos tenham terminado de desenhar antes de anunciar o próximo. (Ou seja, os itens não devem ser escritos na lousa todos de uma vez.) A lista de temas e cores deve ser adaptada conforme o espaço onde a aula esteja sendo dada.

. Solicito aos alunos que registrem onde existem…

  • árvores e/ou plantas, utilizando a cor verde.
  • lixeiras, utilizando a cor laranja.
  • hidrantes, utilizando a cor vermelha.
  • monumentos ou estátuas, utilizando a cor rosa.
  • bancas de jornal e orelhões, utilizando a cor azul.
  • postes, fradinhos, bancos e mobiliário público em geral, utilizando a cor cinza.
  • grades, utilizando a cor marrom.
  • calçadas e texturas de pisos, utilizando a cor preta.
  • animais, música, comida etc. (A lista continua até esgotar os temas registrados nas fotos.)

. Divirtam-se com as expressões de desespero! Tem um lado muito engraçado de perceber o quanto somos cegos visualmente para coisas que sabemos que estão lá, mas não distinguimos exatamente onde estão, nem como são.

Vejam um exemplo de resultados baseados na memória de alunos, com o prédio do IFCS ao “centro”:

. Quando todos terminam, sugiro que guardem as canetas, para não ficarem na tentação de acrescentar algo. Em seguida, apresento as fotos dos espaços no Datashow. Primeiro, as mais gerais, depois, as imagens específicas dos itens da lista (árvores, lixeiras, monumentos etc.). Esse é outro momento de diversão geral, com muitos ah! e oh!, devido à comparação: fotografias x registros gráficos x memórias. Vejam o exemplo abaixo do registro do Tomás Meireles, um aluno experiente em desenho (à esquerda) junto a algumas fotos (à direita).

Além de adorar o desenho do Tomás, acho fascinante a comparação: a humanização da estátua (da figura e da escala),  a sensação de espaço ampliado (no desenho, por contraste com a foto), a presença do camelô de comida, a padronagem do chão, a posição da lixeira invertida (no desenho, à esquerda, na foto, à direita). Como nesse exemplo, muitos estudantes não registraram as duas grandes árvores que cobrem a fachada do prédio! Revejam: dos seis mapas mostrados acima, dois marcam com clareza a presença das árvores, dois trazem pontos verdes tímidos e dois não apontam árvore alguma na frente do edifício que frequentam cotidianamente.

Se tenho tempo, reúno todos os desenhos no quadro (colando com a fita adesiva) e peço aos alunos que venham à frente observar, comparar, percebendo as semelhanças e diferenças. É bem instigante comparar não só a presença ou ausência de elementos, mas também as proporções, formas e modos de ocupação dos espaços e dos registros.

Avaliação:

. No final da aula, solicito que todos escrevam na parte de trás do seu mapa uma pequena avaliação da experiência. A maioria registra que foi “difícil lembrar” dos lugares onde passam todos os dias. Uma aluna escreveu que ficou “surpresa” com a sua percepção “superficial” da cidade; o que outra estudante chamou de “olhar sem ver”. A bolsista de iniciação científica afirmou que, mesmo participando da sessão de fotos, esqueceu um monte de coisas na hora de desenhar. “A memória tem vazios” e “hierarquiza” a forma como lembramos,  escreveu outra aluna.

Acho que todos concordaram que “conhecer” é diferente de “saber que existe”, na expressão serena de um aluno, por contraste com a estudante que escreveu: “muito louco esse exercício, professora!” Um aluno explicou que conseguiu registrar os dados que se relacionavam com a bicicleta que usa para ir ao local, o que facilitou na lembrança dos pisos e equipamentos públicos, por exemplo. Vários apontaram essa característica: lembramos mais das coisas (e pessoas) que nos afetam diretamente. Um estudante anotou: “é impossível registrar a realidade em toda a sua complexidade; de forma que toda representação ou teorização é uma redução”. Sim, lembramos de “Funes, o memorioso“, famoso conto de Jorge Luís Borges.

Concluo com o texto do Tomás Meireles, o aluno que desenhou a estátua cor-de-rosa:

“Ao desenharmos a partir das nossas lembranças, temos a oportunidade de extrair um coeficiente estético de uma relação vivida. Desse modo, podemos traçar um contraste entre aquilo que sabemos e aquilo que achamos saber. Ao transportar isso para a antropologia, percebemos como podemos nos enganar a respeito da realidade que nos envolve constantemente.”

Espero que tenham gostado. Experimentem, mandem comentários, sugestões e notícias!

Ah, importante: a referência que me inspirou para construir esse exercício foi o texto abaixo. Coloquei no título um link para o PDF que fiz pois é um artigo difícil de achar. Boa leitura!

NIEMEYER, Ana Maria. “Indicando caminhos: mapas como suporte na orientação espacial e como instrumento no ensino de antropologia”, in: Além dos territórios: para um diálogo entre a etnologia indígena, os estudos rurais e os estudos urbanos. (Niemeyer e Godoy, Emília, orgs.). Campinas, SP, Mercado de Letras, 1998, p. 11-40.

Esse é o quarto post de uma série sobre aulas lúdicas:

E talvez vocês gostem de outros posts com a tag mundo acadêmico.

Sobre o desenho: Depois de várias semanas, me aventurei a desenhar a árvore de que mais gosto do Largo de São Francisco de Paula, praça em frente ao IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ). É uma lindeza, magrela e gigante (quase da altura da igreja). Fiz parcialmente de memória, parcialmente olhando no Google Street View. Ontem voltei a olhá-la ao vivo e me admirei ainda mais com a sua leveza imponente. Sim, os pombinhos ficam minúsculos e até as pessoas ficam mínimas perto dela. Desenhei com uma canetinha Graphik Line Maker 0.1 Sépia, da Derwent, numa folha que ainda está vazia do caderno Stillman & Birman, Delta Series 8 x 10 polegadas.

Você acabou de ler “Memória visual, espaços e cotidiano – Ideia para aula lúdica (4)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2017. “Memória visual, espaços e cotidiano – Ideia para aula lúdica (4)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/p42zgF-297. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Biblioteca sonora

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“Meu coração é um pórtico partido | Dando excessivamente para o mar. | Vejo em minha alma as velas vãs passar | E cada vela passa num sentido.” (Fernando Pessoa)

Esses versos me acompanham desde a escola, porque eu e uma amiga fazíamos coleções de poesias e de trechos de livros. Os sons de certas frases parecem se acumular na nossa memória, como livros de uma biblioteca sonora.

Nem sempre é questão de escolha, e muito menos são apenas os bons sons que ficam. Quem não tem dificuldade para esquecer palavras duras, críticas, despedidas; uma voz ameaçadora, uma arma sendo engatilhada? Até hoje lembro do som das vozes que me deram as notícias, pelo telefone, das mortes de duas pessoas muito amadas. Sons e sensações que ecoam juntas pra sempre.

Mas é nos tesouros que quero pensar. A primeira vez que o Antônio me disse que eu estava bonita, com aquela vozinha de criança aprendendo a falar. As risadas da Alice ainda bebê e, mais tarde, ela cantando Asa Branca. Os vários momentos em que a vida acadêmica me disse passou, aprovada. As risadas de uma platéia querida; o momento em que escutei “meu sol, minha flor”.

De vez em quando gosto de sonhar com bibliotecas alheias também. Nunca vou me esquecer do Stephen King contando em sua biografia que, diante de suas fracassadas tentativas de escrever, sua mãe sempre lhe dizia: “Escreve outro, escreve mais.” E tomei emprestada essa mãe, como se a voz dela existisse na minha memória.

São palavras que me vêm à mente quando preciso de ânimo para enfrentar o que considero a pior forma de stress: — Qual o sentido disso tudo? Trabalhar, ser professora, estudar, dar aula, educar… pra quê, se nada do que faço parece consertar o mundo nem um pouquinho?

Talvez, como diz o poeta, sejam vários sentidos, indo e vindo. Cabe a nós escutar; cultivar a biblioteca que nos cultiva.

Coisas impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-ou-dignas-de-nota da semana: 

. O blog foi inundado com milhares de visitantes em busca das dicas de doutorado essa semana. Obrigada, sejam bem-vindos, boas defesas! Espero ter ajudado. ♥

. Uma das melhores coisas da semana foi entrar rapidinho no Facebook e me deparar com a aula de poesia sempre aberta na timeline do Carlito Azevedo (sobre quem já derramei elogios aqui). Dessa vez foi esse poema de Wislawa Szymborska::

DE CADA CEM PESSOAS,

as que sabem de tudo:
cinquenta e duas;

as sempre inseguras:
quase todo o resto,

as prontas pra ajudar
(desde que não demore muito):
no máximo quarenta e nove,

as sempre boazinhas
(porque não conseguem agir de outro modo):
quatro, talvez cinco,

as dispostas a admirar sem inveja:
dezoito,

as que vivem continuamente angustiadas
por alguma coisa ou alguma pessoa:
setenta e sete,

as capazes de serem felizes:
quando muito, vinte e poucas,

as inofensivas quando sós
mas selvagens quando em bando:
mais da metade, tranquilamente

as cruéis
quando as circunstâncias obrigam:
isso é melhor nem saber
nem mesmo aproximadamente,

as que depois já sabiam de tudo:
não muitas mais
que as que já sabiam de tudo antes,

as que da vida só querem coisas:
quarenta,
mas preferia estar errada,

as encurvadas, doloridas
e sem lanterna no escuro:
oitenta e três,
mais cedo ou mais tarde

as dignas de compaixão:
noventa e nove,

as que vão morrer:
cem, entre cem,
número que até hoje não sofreu qualquer alteração

Sobre o desenho: Dando asas ao meu amor pelas cores misturadas, pelas possibilidades de aprender mais sobre os tons, fui fazendo essas bolinhas ao longo de dois ou três dias da semana passada. Usei um pincel n. 3 que adoro da linha Anna Mason, da Rosemary & co. inglesa (são baratinhos se alguém comprar lá!) e aquarelas de várias marcas, no caderninho feito por mim com restos de um bloco Fabriano já amarelado pelo tempo. Pensando bem, não deixam de ser mini círculos sonoros em várias vibrações.


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Prazeres secretos e Março/2016

mar2016

Alice está com uma nova rotina em 2016. Agora as aulas começam às 7:20 da manhã. Voltando para casa da escola, ela me disse: “Mãe, só agora entendi porque as pessoas ficam felizes quando chega a sexta-feira. A gente comemora porque pode acordar tarde no dia seguinte!”

Semana passada ela também estreou o uso do armário na escola — um locker de metal, desses que a gente vê em filme de adolescente americano. E pela primeira vez na vida, ela me pediu: “Mãe, cadê aquela sua coleção de adesivos?” Fiquei tão feliz de sentarmos juntas para ela escolher os que quisesse colar no armário novo.

Tenho uma caixinha onde guardo adesivos desde os doze anos. Com desenhos do Snoopy (Peanuts), a caixa está se desfazendo, mas é um dos meus objetos preferidos de memória da adolescência. Meus primeiros desenhos eram imitações desses adesivos, das coleções de amigas ou de personagens de revistinhas que eu mais gostava. Depois de desenhar, era só colar um contact transparente por cima e criar um adesivo novo. Assim, eu fazia de graça os “colantes”, como chamávamos, pois os originais eram caros e importados.

Durante a infância do Antônio e da Alice, começaram a aparecer no Brasil livros inteiros com dezenas, até centenas de adesivos. Imagina a minha felicidade! Antônio chegou a brincar muito com eles, mas a Alice nunca curtiu. Então fui esquecendo desse mundo.

Nesse mês de fevereiro, com volta à escola, e mais horário novo das aulas, entrei numa onda de reorganizar nossa vida e a da casa. Limpamos armários e estantes, doamos muitas roupas, brinquedos e livros, e providenciamos consertos que estavam pendentes desde o final de 2014. Tudo no espírito zen: manter apenas o que realmente usamos ou amamos.

No meio das arrumações, achei um livro de 1000 adesivos praticamente nunca usado! A Alice foi logo dizendo, meio marota: “Pode ficar pra você, mãe!”

Então cá estou, curtindo e compartilhando esse pequeno prazer secreto com vocês no calendário de março, cheio de adesivos do livrinho que a Alice me doou. É o único mês com desenhos que não são meus. Também estou usando os bichinhos para alegrar as minhas listas de tarefas do dia. Pela primeira vez na vida, estou “gastando” adesivos sem economizar! Vai entender, é um amor.

Uma das coisas mais legais de ser criança é que a gente pode gostar do que gosta sem dar explicações. Quando viramos adultos, tudo tem que ter justificativa. E se não tiver? E se pudermos aceitar?

* 7 Números impossivelmente-legais-interessantes-inúteis-ou-dignos-do-Lattes de fevereiro:

. Meu filho Antônio fez 15 anos!

. Atingi a marca de 32 mil e-mails enviados pelo Gmail, desde 2005.

. Levei três dias para agendar, mas apenas 12 minutos para fazer a vistoria do carro velhinho no Detran-RJ.

. Dois defeitos da casa que nos incomodavam por um ano custaram apenas R$25,00 cada para serem resolvidos (acendedor do fogão e fechadura da porta).

. 3 alunas novas fofas começaram a trabalhar como bolsistas no LAU.

. O blog chegou a 134 mil visitas e 80 mil visitantes.

. Hoje cortei 30 unhas humanas e 54 unhas felinas!

* Sobre o desenho: Como pode o mês mais curto do ano não acabar nunca? Meu fevereiro está assim! E o de vocês? Para ajudar, aí vai o calendário de março em .jpg  e em .pdf. As imagens desse mês não são minhas! São adesivos retirados do livro “1000 Bichos Adesivos”, da editora Usborne. O site da editora tem uma versão em português que traz um catálogo em PDF de todos os seus livros de adesivos disponíveis no Brasil.

Sobre o blog: Estou com algumas ideias e metas para o blog em 2016. Uma delas é voltar à pontualidade dos posts de quarta-feira (ou no máximo quinta de manhã, que não sou de prometer ser perfeita). Outra é melhorar a organização, criando um sumário de assuntos, livros e nomes citados. Também queria atualizar com mais frequência as respostas aos comentários e até responder perguntas de vocês em novos posts. O que acham? Têm alguma pergunta para me mandar? Podem enviar por e-mail se não quiserem ser identificados: karinakuschnir [at] gmail.

 


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Se hoje fosse hoje

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Alice — Mãe, tô em dúvida de coisas muito difíceis…

Eu — Sobre o quê, filha?

Alice — Do que eu vou ser quando eu crescer… Porque são coisas muito difíceis. Não é assim fácil como ser antropóloga ou desenhista…

Eu — Hããã…?

Alice — É, mãe, isso que você faz é fácil: é só ficar falando sobre o passado… Eu tô em dúvida dos meus sonhos. Se eu quero ser o tipo de pessoa que mexe em máquinas, tipo assim, criar um Iphone 7! E tem o meu sonho de ser atriz. E, se nada disso der certo, vou ser youtuber.

E, se hoje fosse hoje, se fosse mesmo o 15 de maio que deveria ser, eu não estaria escrevendo no blog. Estaria comemorando o aniversário de 70 anos do Gilberto [Velho], contando pra ele essa história engraçada da Alice sobre como é fácil ser antropóloga desenhista.

Profissão é fácil sim, filha. O difícil é ser adulta e manter o bom humor! Nisso, o Gilberto também era mestre. Para matar as saudades, remeto ao texto que escrevi em sua homenagem em 2012 (e aos de várias outras pessoas), porque hoje não estou conseguindo ser adulta direito.

Sobre o desenho: Fiz essa imagem a partir de um quadro do Gilberto que ganhei da Ana. É provavelmente um artesanato peruano, com muitas cores fluorescentes (que não saíram direito no scanner, pra variar), do qual ele gostava muito. O original é bem maior e mais elaborado. Resolvi desenhar o cavaleiro de chapéu, porque usar chapéus exóticos era uma de suas brincadeiras favoritas. Já montar a cavalo… talvez só nos de chumbo! (Linhas feitas com canetinhas 0.05 e 0.2 e cores com hidrocores diversos.)