Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Chips a mais

davinci

O Jornal Nacional anuncia a primeira convocação de Dunga para a seleção brasileira.

Eu — Alice, o que você achou da lista do Dunga?

Alice — Horrível!

Eu — Nossa, por que, filha?

Alice — Ele não chamou o Thiago Silva, o melhor zagueiro do mundo!

Antônio, entrando na conversa: — Ah, Alice, cada um acha o seu jogador o melhor…

Alice — Como assim?

Antônio — Portugal acha que o Cristiano Ronaldo é o melhor zagueiro do mundo! Já o Brasil acha que o Neymar é que é o melhor zagueiro do mundo!

Alice revira os olhos…

Outro dia, Antônio chegou da escola animado com a boa nota que tirou em Ciências. Comentei com a Jô que era só ele estudar um pouquinho e já guardava toda a matéria. E concluí: — Ele tem um “chip a mais”, Jô. Tem uma memória muito boa.

Alice ouviu nossa conversa e gritou lá da sala: — E eu, mãe, não tenho um “chip a mais”?

Eu — Não, filha. Você não tem um chip a mais. Você tem vários!!

Pronto. O assunto de hoje era Leonardo Da Vinci, mas achei melhor contar logo as novidades da Alice. Tem gente reclamando quando deixo para o final do post!

A inspiração para o desenho foi o maravilhoso livro “O fantasma de Da Vinci: a história desconhecida do desenho mais famoso do mundo”, de Toby Lester (ed. Três Estrelas, selo do Grupo Folha; tradução de José Rubens Siqueira). Ô coisa boa de ler, de olhar, de pesquisar, de fuçar notas, bibliografia e agradecimentos, tipo-quero-mais!!

Partindo do seu fascínio pelo desenho do “homem vitruviano“, de Da Vinci, Lester escreve uma dupla história: a do mundo das ideias que tornaram esse desenho possível; e a do homem Leonardo (de Vinci, de Florença e de Milão) até o momento em que o desenhou. A primeira começa com Augusto, imperador romano, forjando seu corpo em estátuas e moedas de um homem-modelo ( 27a.c.) e segue passeando pela história da arquitetura, da arte, da filosofia e da política nas cidades italianas, até o século XVI. A segunda nos traz as amizades de Da Vinci, suas mazelas, suas pequenas listas de afazeres (“desenhar Milão”) e grandes desafios (“aprender latim”). Nas inseparáveis cadernetas com quase 30 mil páginas de anotações, lemos frases sábias, engraçadas, visionárias:

“O ar está cheio de imagens incontáveis, para as quais o olho é um ímã.”

“Quando a fortuna se manifesta, agarre-a com firmeza pelo topete, porque ela é careca atrás.” (1490)

“Com quais palavras, ó escritor, você descreverá com semelhante perfeição toda a configuração que este desenho aqui fornece?” (c.1500)

É contagiante a curiosidade de Da Vinci; e consolador aprender que ele odiava prazos e quase nunca terminava as obras que prometia (aos outros e a si mesmo)…E tudo isso sendo exímio pintor, escultor, músico, arquiteto, engenheiro, físico, médico… com uma biblioteca de 116 livros!

Ok, chega. Como diz o Antônio, Leonardo Da Vinci não é para os fracos.

(Espero que a Alice não leia isso, mas o Da Vinci devia ter uns mil chips a mais.)

Sobre o desenho: Resolvi estrear um novo caderninho que estava “economizando”, do selo Laloran, da Keta Linhares, com um formato quadrado e umas páginas de aquarela que dão vontade de morder, nem lisas nem ásperas demais. Tenho duas dessas belezinhas graças ao querido Eduardo Salavisa, que me deu a dica e mediou a compra. Aproveitei para tentar furar o bloqueio (vulgo projeto-para-o-cnpq) que tem me afastado dos cadernos e dos desenhos. Ufa, consegui. Enviei o projeto e encarei o caderninho, mesmo correndo o risco de não estar a altura.

ccampo


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Ulisses em fuga

agosto2014b

Juro para vocês que não foi planejado. Aconteceu exatamente assim.

O tema das chaves para o calendário de agosto já estava na minha cabeça há alguns dias. Nem precisa chamar o Sherlock Holmes para adivinhar por que… Com esse monte de mudanças, fui juntando uma tonelada de chaves. Até que ontem, finalmente, ia sentando para desenhar, já mais-do-que-atrasada-e-culpada, quando se deu a seguinte cena:

Antônio: — Tchau, mãe, estou indo!

Vou até a porta dar um beijinho nele: — Tchau, filho, vai bem.

De repente, o gato Ulisses corre por entre as nossas pernas porta afora e escada acima em alta velocidade!

Sem pensar, saio correndo de meias atrás dele pelos andares, mas ainda lembro de gritar:

— Filho, cuidado… com… não…!!! …a porta!!

No meio da frase ouço um grande “blam!”

Antônio, achando que eu estava preocupada com a fuga dos outros gatos, puxou com toda vontade a porta, que ficou lá, fechadinha-da-silva.

— A porta… a porta… não… não…

Me desesperei… Tudo bem não ter casa direito há quase quatro meses, mas ficar totalmente sem teto (e sem sapatos; e numa roupa-pijama!) foi demais.

Praguejei tanto que a vizinha saiu para ver se alguém tinha morrido!

Quando contamos a história da porta, com o gato pendurado no colo querendo fugir de novo, ela quase deu risada. Só não deu porque sentiu que eu voaria no pescoço dela, coitadinha. Uma boa alma!

— Calma, pode deixar que eu chamo um chaveiro para vocês. Vai dar tudo certo.

E nem precisou. Depois de uns minutos de suspense, chegou o porteiro João, que olhou pra tudo aquilo mais calmo ainda. Pegou sua maletinha, chaveou daqui, chaveou dali, voltou com um alicatezinho e “plec”! Coisa-mais-fácil-do-mundo.

— Ai, você salvou a minha vida…

E pronto. Antônio foi para a vó. E eu tratei de dar um bom dinheiro para o João e um pacote de chocolates para a vizinha. E para me acalmar voltei a desenhar… O que eu ia desenhar mesmo? Ah, sim: chaves!

Alice-filósofa:

Alice — Mãe, agora que me toquei. Quando eu jogo futebol eu não penso. Por que? Porque fico muito concentrada e não ligo pra mais nada.

 

Eu — É, Alice, que bom!

Alice — Quando fico concentrada, fazendo coisas de agilidade, correndo, meu corpo toma o controle de tudo. Não ligo pra mais nada.

Eu — É, filha, bonito o que você disse.

 

Alice —  Quando você não está fazendo nada, você pensa o tempo todo. E até pensa que está pensando! Você não consegue não pensar. E não pensar é muito bom!

Sobre o desenho: Depois de tudo o que aconteceu, qualquer desenho tá perdoado… Saiu tosco… As chaves ficaram grandes demais… Mas é melhor um desenho-mais-ou-menos do que nenhum-desenho, certo? E foi bom ter feito o calendário, porque desenhar para mim é como jogar futebol para a Alice: uma forma muito boa de não pensar! // As linhas foram feitas com canetinha Staedler de nanquim permanente 0.05 e a cor com ecoline diluída e colocada na caneta de aquarela (waterbrush). Tentei usar um pouco de hachurado, mas faltou coragem para fazer as partes escuras de verdade. O original estava em sépia; e ficou tristíssimo! Consegui esse azul depois de scanear, com a ajuda do Photoshop. Prometo algo mais alegre em setembro!