Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Uma doce sensação de abrigo em 2024

Pessoas queridas, pensei que estava só com paciência e prática, mas lembrei que estou apaixonada pela George Eliot. Em sua escrita, tudo é sério e irônico — tudo é “brincadeira e verdade”, como na música do Caetano. É um deslumbramento.

No seu livro mais autobiográfico, O moinho à beira do rio Floss, Eliot nos conta a história de Maggie Tulliver, uma menina de “oito ou nove anos, bem-educada e bem instruída” que tinha frequentado “só um ano num colégio …e tinha tão poucos livros que às vezes lia o dicionário. Se déssemos uma volta pelo seu cérebro, encontraríamos lá a mais inesperada ignorância.” (p. 121) Será?

Logo que a conhecemos, Maggie se esconde com uma tesoura para cortar os próprios cabelos, cansada das críticas da família e de ser menina. Tempos depois, foge de casa para ser livre e viver com os ciganos. É comovente acompanhar como descobre a pobreza e seu despreparo diante do mundo.

Encanta-se com Philip, um jovem que sabia contar histórias, muito tímido devido à corcunda de nascença. Adorava-o, até porque:

“Maggie tinha uma certa ternura pelas coisas deformadas; preferia sempre as ovelhas de pescoço torto, porque lhe parecia que as que eram fortes e bem constituídas não apreciavam tanto os carinhos, e ela gostava de fazer festas a quem as apreciasse.” (p. 192)

Quando Maggie se apaixona pelos livros que finalmente tem às mãos, reflete:

“Nos livros havia sempre pessoas amáveis e ternas, e que gostavam imenso de agradar uns aos outros. O mundo fora dos livros não era um mundo feliz; parecia ser um mundo onde as pessoas se portavam o melhor possível com as pessoas que não amavam e que lhes não pertenciam.” (p. 256)

De todos, ouve que tem de “ter paciência”. Exercita essa habilidade, censura-se tanto que experimenta a paz no “quietismo” que a tudo renuncia. Até que a vida lhe chama e seu coração é fulminado por um amor impossível. Diante da necessária separação, Maggie (e Eliot) dizem:

“Não posso esquecer tudo e começar outra vida. Devo voltar para trás, muito embora eu sinta que, sob os meus pés, já não existe nada de sólido.” (p. 525)

Como Eliot já havia nos preparado, Maggie desejava o que, de certo modo, todos nós também queremos:

“…era uma criatura cheia de anseios apaixonados e entusiastas por tudo o que era belo e alegre; sedenta de todos os conhecimentos, (…) com um inconsciente desejo de qualquer coisa que (…) desse à sua alma uma sensação de abrigo.” (p. 257, no original,   “a  sense  of  home)

É isso, queridos leitores. Que 2024 traga a todos nós paixão, paciência e prática, mas sobretudo o acolhimento da casa, com sua doce “sensação de abrigo”! ♥

A imagem que abre este post está em alta resolução e segue aqui um pdf para download que vocês podem baixar para imprimir. Vai com carinho especial para todos que estão enfrentando as festas em meio aos prazos de TCC, dissertações, teses e outras pressões acadêmicas ou não.

Sobre o desenho: Grafia e cores inspiradas na arte de Tom Gauld. O lema dos três Ps inventei há uns anos inspirada em uma aula online que fiz com o artista indiano-canadense Prashant Miranda. Ele mencionou perseverança ao invés de paciência, mas esta é para mim a maior das virtudes. Tecnicamente, utilizei os materiais de sempre: canetinhas Pigma Micron 0.1 ou 0.05, aquarelas e papel Canson. Se quiserem, tem a versão abaixo dos três Ps para baixar aqui.

Sobre as citações: Li a versão portuguesa de O moinho à beira do rio Floss, de George Eliot (trad. de Fernando de Macedo, ed. Mimética). A versão original está disponível gratuitamente no Internet Archive, mas não me sinto confiante para ler ficcção em inglês. Trago aqui as duas citações finais no original pois são tão lindas:

Trecho orginal sobre a sensação de abrigo: ”Maggie  in  her  brown  frock,  with  her  eyes  reddened  and  her heavy  hair  pushed  back,  looking  from  the  bed  where  her father  lay,  to  the  dull  walls  of  this  sad  chamber  which  was the  oentre  of  her  world,  was  a  creature  full  of  eager,  passionate longings  for  all  that  was  beautiful  and  glad  ;  thirsty  for  all knowledge ;  with  an  ear  straining  after  dreamy  music  that died  away  and  would  not  come  near  to  her ;  with  a  blind,  unconscious yearning  for  something  that  would  link  together  the wonderful  impressions  of  this  mysterious  life,  and  give  her soul  a  sense  of  home  in  it. “

Trecho orginal sobre não ter nada de sólido sob os pés: “No  wonder,  when  there  is  this  contrast  between  the  outward and  the  inward,  that  painful  collisions  come  of  it. I  can’t  set  out  on  a  fresh  life,  and  forget  that :  I  must  go  back to  it,  and  cling  to  it,  else  I  shall  feel  as  if  there  were  nothing firm  beneath  my  feet.” 

Sobre a música do Caetano: Refiro-me ao verso “É tudo só brincadeira e verdade” da canção “Tá combinado”. Aqui a letra e o canto na versão de Betânia.

Você acabou de ler “Uma doce sensação de abrigo em 2024“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Uma doce sensação de abrigo em 2024“, Publicado em karinakuschnir.com, url: https://wp.me/p42zgF-42x. Acesso em [dd/mm/aaaa].

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Listinhas para passeios, viagens e afins

“A distância é curta quando se tem um bom motivo.” (Jane Austen)

Quando as crianças eram pequenas, havia tantas coisinhas essenciais na hora de sair de casa que acabei criando pequenas listas com os itens que não podia esquecer. Comentei isto em outro post e fiquei devendo para a Késia, leitora querida do blog. Ela já viajou e já voltou, mas quis cumprir a promessa mesmo assim.

Quando Antônio e Alice eram menores, uma das nossas brincadeiras bobas era a de ler as circulares da escola em voz alta. Eu fazia uma voz de mordomo-de-peça-de-teatro e lia cada detalhe como se fosse um comunicado do Rei convidando as irmãs da cinderela para o baile. Fazíamos isso também com os manuais da escola. Eles morriam de rir e aos poucos passaram a ler também fazendo suas próprias vozes especiais e interpretações.

Como todas as instituições, a escola tem suas regras: marcar roupas e materiais de estudo, identificar mochilas, levar lanches e bebidas etc. Mas uma mania da escola deles era insistir na inclusão de sacos plásticos. Pequenos passeios ou alguma viagem educativa vinham sempre com o pedido de envio de “sacos plásticos” para cada peça de roupa e mais alguns extras para o caso de roupas sujas ou molhadas. As crianças caíam na gargalhada sempre que chegava nessa parte do texto. Para eles era engraçadíssimo precisar de um saco plástico preventivo, quiçá vários! Então, como vocês podem imaginar, tornou-se um bordão aqui de casa: viagens ou passeios sempre precisam de sacos ou sacolas plásticas em abundância. E nisso já se salvaram da chuva, já resgataram peças encharcadas e ajudaram amigos. (Sei que é ecologicamente incorreto, mas também estou certa de que não são os poucos plásticos de uma criança que ameaçam o planeta terra e sim as práticas poluentes em escala industrial.)

Dito isso, e atualizando para o momento da adolescência, vamos às listas

Ida à praia ou à piscina: Bolsa de praia, canga, chinelo, boné ou viseira, filtro solar, repelente de mosquito, creme de cabelo, protetor labial, pente ou escova, óculos de sol e óculos de natação, brinquedos ou livro, muda de roupa seca para trocar, saco plástico para roupa molhada, kit para tomar banho. Se for o caso: toalha própria, telefone, fone e carregador de celular. Bóia de braço, bóia de brincar ou piscininha em caso de crianças pequenas. Garrafa que mantém a água gelada.

Adolescentes saindo para ir na esquina: Chave de casa, documento da escola ou cópia da identidade, dinheiro, cartão de transporte público, telefone celular. (Sim, esta lista é necessária até uns X anos.😁)

Jovens indo pro carnaval no Rio de Janeiro: Tudo da lista acima, menos o telefone!

Criança passando a noite na casa do amiguinho ou em passeio com a escola: roupa íntima, meia, roupa de dormir, calça ou short, camiseta, casaco, boné, chinelo ou tênis. Multiplicar calcinhas, cuecas, meias e camisetas pelo número de noites. Calça e casaco extras se for o caso. Incluir biquini ou sunga e todos os itens da lista de praia se tiver essa parte. Adicionar saco plástico para roupa suja. Colocar uma foto ou um bilhetinho de amor (no meu caso, da mãe) na mochila, assim como telefones importantes, cópia de documento (se for longe, também autorização de viagem e plano de saúde). Extras: travesseiro ou bichinho de estimação, itens para cabelos, brinquedos e coisinhas que as crianças gostem. Remédios de uso contínuo separados para serem entregues para os responsáveis no lugar de destino.

Viagem de pré-adolescente ou jovens adultos: Tudo da lista acima e mais os itens a seguir: documento de identidade original, autorização de viagem (menores de 18 anos), carteira com cartão de crédito ou débito, carteira do plano de saúde (se ainda tiver carteirinha física), dinheiro, informações “em caso de emergência” (telefone de responsáveis, indicação de plano médico, doença ou alergia, telefone de um médico de confiança). Informações sobre o transporte (passagem, dia, horário de ida e volta, checkin feito, se for avião), hospedagem (endereços, contatos, como chegar), ingressos previamente comprados, itens específicos relacionados ao objetivo da viagem. Colocar xerox de documentos importantes em outro local da mala (longe da carteira de bolso). Ter foto de todas essas informações com acesso fácil no celular. Antes de sair de casa: verificar a lista de viagem de criança acima e se está com telefone, carregador, fones, kits de banheiro (ver abaixo), livros, caderno e canetas. Guarda-chuva e capa de chuva podem ser úteis.

Desenho Alice Kuschnir, 2023

Viagem longa: Adicionar cadeado na mala, passaportes, autorizações de viagem, moeda estrangeira e seguro viagem, cartão de vacinas.

Kits de banho, higiene e acessórios: escova de dente, fio dental, desodorante, sabonete, xampu, condicionador, creme de pentear, escova de cabelo, filtro solar, repelente, lenço umedecido, lenço de bolsa, álcool gel, creme corporal, absorventes, camisinhas, máscaras, item de depilação, elásticos e acessórios de cabelo e de aparelho de dentes, se tiver. Batom, itens de maquiagem e produto para tirar, cuidados de pele (sou do tempo que não se falava “skin care”). Costumo colocar os líquidos em potinhos menores para não ter muito volume. Colocar tudo em bolsa impermeável. Se for de avião, ter saquinho tipo ziplock transparente para os itens de bolsa.

Remedinhos: Pomadas para alergia a mordida de mosquito (usamos desonida), pomada antiinflamatória (tipo nebacetin), remédio para dor (paracetamol, ibuprofeno ou novalgina), protetores de machucado (tipo bandaid), termômetro, remédio para cólica ou enjôo (tipo vonau flash, se for o caso), remédio para azia (tipo pepsamar), colírio, soro nasal e outros remédios que a pessoa use com frequência.

Para o frio: Gorros, luvas, cachecóis, casaco melhor, meias grossas, roupa de baixo térmica. Protetor labial e cremes corporais extras.

Comidas que não se pode passar sem: Matte solúvel (eu!). Para os viciados, lembrar que não tem erva mate nem mate em muitos locais desse país e do mundo. Levar chocolates, chás, comidas veganas, comidas sem glúten ou lactose, pipocas, chicletes, balas, pastilha de hortelã ou gengibre, biscoitos, sanduíches, granola, frutas, frutos secos, vegetais de fácil transporte, cereais, pães e comidas de café da manhã.

Mãe levando criança doente para atendimento hospitalar: Pano tipo pashmina quentinho para aguentar o frio das salas de espera ou para a criança deitar no seu colo; telefone ou Ipad com bateria extra e carregador para aguentar o tempo de espera; água, suco ou lanche que possa ajudar se demorar muito; livro ou brinquedo; lenço de bolsa, saco plástico e lenço umedecido em caso de idas ao banheiro ou vômito; carteira do plano, cartão de vacina, contato médicos e exames prévios, se tiver. Máscara facial extra em caso de doença respiratória.

Itens aleatórios ou as manias de cada um: Travesseiro caseiro ou uma fronha de casa (eu preciso do cheiro da minha cama!), bijuterias, relógio de pulso, óculos reserva ou de leitura, lanterna, rede mosquiteira, chaleira elétrica, bolsa dobrável leve para o caso de a bagagem da volta aumentar. Instrumentos musicais como gaita, flauta, violão, afinadores, pastas de músicas (isso caiu com os aplicativos de celular; na nossa listinha original tinha Ipod!). Livros de colorir, diário de viagem, caderno de desenho, estojo de aquarela, pincéis. Fita crepe e elásticos de escritório para fechar embalagens e remendar algo. Pochete, ecobag, mini banquinho. Fio de varal, sabão para lavar roupas.

Checklist da hora de sair de casa: escova de dente, pasta de dente, desodorante, aparelho de dente, carteira com documentos, chaves, carregador de celular, celular, fones de ouvido.

Não me convidem para: Acampamentos! E vocês?

Ufa, já estou exausta só de pensar. Não faço viagem longa desde 2017. Fiz duas mini-viagens pra serra e São Paulo. As listinhas acima estavam bem mais emboladas. Acabei me empolgando na organização. Espero que sejam úteis! Depois me contem.

Boas viagens, pessoas queridas! ☼

Sobre a citação: “A distância é curta quando se tem um bom motivo” está na tradução de Lúcio Cardoso de Orgulho e Preconceito, obra de Jane Austen editada pela Abril Cultural em 1982. Como boa fã de Jane, fui comparar versões e vi que a frase é diferente na tradução de Alexandre Barbosa de Freitas para a Penguin-Companhia das Letras, tornando-se: “A distância não é nada, quando se tem um motivo”, fiel ao original: “The distance is nothing, when one has a motive”. Mesmo reconhecendo a incorreção, adorei o “bom motivo” que afinal era Elizabeth ir a pé por três milhas (quase 5 km) para visitar a irmã doente. Ela não levou nada das listas acima: só um xale. Ficou enxarcada e, se não me engano, vestiu roupas emprestadas até que as suas secassem.

Sobre os desenhos: Ambos vieram do caderninho Laloran. Do lado esquerdo, colei o desenho e o bilhetinho da Alice. Na direita, registrei um estojo de viagem que ganhei de uma tia querida há anos. Linhas com canetinha Pigma Micron 0.05 ; cores feitas com aquarelas, lápis de cor, um pouco de guache e canetinha de gel branca. Tem um reels dessa pintura no meu Instagram.

Você acabou de ler “Listinhas para passeios, viagens e afins“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Listinhas para passeios, viagens e afins“, Publicado em karinakuschnir.com, url: https://wp.me/p42zgF-42h. Acesso em [dd/mm/aaaa].