Karina Kuschnir

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Quinze dicas para ajudar a ler textos acadêmicos (ou não)

“Quando meu filho estava com oito meses, podia-se dizer de verdade que ele devorava literatura. Se alguém lhe dava um livro, mastigava-o.” (Anne Fadiman)

Quem se identifica com a ideia de “devorar” livros levanta a mão! Para mim, faz todo sentido. Quando uma obra me conquista, sinto que entro num espaço de prazer, como se estivesse comendo as páginas, de tão boas. Só que nem sempre é assim…

Um dos maiores desafios da vida acadêmica é a quantidade de leituras de que precisamos dar conta. Gostaríamos de ler mais do conseguimos e, pior, nem sempre podemos decidir o que vamos ler. Faz parte: alunos têm que passar pelas bibliografias que os professores selecionam; docentes precisam encarar leituras essenciais para suas pesquisas e ainda monografias, teses, dissertações e trabalhos de curso.

Como dar conta de ler tudo? Listo abaixo algumas dicas a partir da minha experiência e das dificuldades pelas quais passei. Foi mais ou menos isso que aprendi:

1) Prazer de ler – Para saber se estou na área de pesquisa certa, sempre me pergunto: “sinto prazer de ler os textos que estou lendo?” Muitos alunos me escrevem em dúvida sobre qual caminho ou tema seguir. Minha primeira sugestão é se questionar: sobre o quê você realmente gosta de ler? Porque, uma vez escolhida a área, haverá uma montanha de textos para dar conta. Foi assim que descobri meu amor pela antropologia, depois de passar por design, publicidade e jornalismo: quando me deparei com textos como o “Pessoa, tempo e conduta em Bali”, de Clifford Geertz, percebi que queria mais!

Só que dentro de uma área existem centenas de recortes possíveis. Inclusive, isso me lembra um episódio vergonhoso da minha vida acadêmica, quando fiz uma pesquisa numa universidade no exterior. Apesar de toda a alegria de ter recebido o auxílio para esse trabalho, passei boa parte do meu tempo lendo livros e fuçando bibliotecas sobre outro assunto. Pois é. Isso foi há muitos anos! Já fiz relatório, publiquei, prestei contas, tudo certinho. Só que até hoje me sinto culpada por ter me dedicado menos do que deveria às leituras apropriadas. Demorei a perceber que aquela “fuga” era um sinal de que estava na hora de mudar. (Voltarei a esse tema adiante.)

2) Organização do calendário – Ao começar um semestre, pego um calendário dos próximos meses e assinalo todos os compromissos, como aulas, defesas, bancas, congressos etc. Pesquiso e marco os feriados. Feito isso, tento calcular qual será o volume de leitura de cada etapa (por semana). Se eu tiver períodos de sobrecarga ou de eventos, tento compensar programando menos textos nas aulas da época.

Sei que é difícil prever tudo isso, mas essa lista é para lembrar de tentar. Ao aceitar participar de uma banca, por exemplo, tento aliviar a carga de leitura daquela semana. Ah, Karina, isso não existe… Gente, não é porque não existe que não devemos querer que passe a existir. Já vi várias vezes colegas chegarem em bancas sem terem lido direito o material do candidato; e eu mesma já cheguei numa aula sem me sentir preparada. Então vale estarmos atentas: somos humanas e nossa capacidade de leitura é finita!

3) Calcule sua capacidade de leitura por número de páginas – Uma das dicas mais importantes é aprender quanto tempo levamos numa leitura. Aprendi fazendo assim: ao começar um texto, anotava o horário de início no alto da página. Seguia lendo até a primeira interrupção, quando escrevia novamente o horário da pausa, mesmo que fosse para ir ao banheiro ou buscar um copo d’água. Fui fazendo isso em vários os textos até chegar numa média de velocidade para cada tipo de texto. Por exemplo: leituras em português ou em língua estrangeira; não-ficção ou ficção; texto obrigatório x texto complementar; texto em PDF x texto em papel; livros x artigos; leituras x releituras; trabalhos de alunos, dissertações ou teses. Cada material desses traz pequenas alterações no nosso rendimento. Eu não medi todos eles (não sou tão obsessiva assim!) A ideia é chegar numa média, numa medida realista da nossa velocidade. Por exemplo, no meu caso, costumo ler de 20 a 30 páginas por hora. (Pode ser menos ou mais a depender dos fatores envolvidos, como explico abaixo.)

4) Calcule sua capacidade conforme o objetivo da leitura – Outra dica importante é entender quanto tempo você leva para ler um texto sobre o qual deverá falar, apresentar seminário ou dar uma aula sobre. Nesses casos, eu, pelo menos, preciso sublinhar, anotar e, se possível, fazer um fichamento. Então não adianta utilizar as medidas de leitura do item 3. Eu sei, a gente insiste em achar que vai dar, mas não dá. E dá-lhe virar noite ou chegar na aula insegura porque não fez o trabalho direito. Melhor fazer um planejamento pragmático. Para citar o meu caso, fui preparar uma aula sobre um texto de apenas 22 páginas (que já tinha lido antes): levei 1 hora e meia entre reler e fichar os principais pontos para falar.

5) Calcule sua capacidade de leitura conforme o período do dia ou da semana – Nossos corpos têm ritmos distintos e níveis de concentração muito variáveis. Sou do tipo que prefere varar a madrugada. Nunca entendi quem dorme cedo e coloca o despertador para as 5 da manhã para terminar de preparar ou ler algo! Simplesmente não funciono nesse horário, mas tem gente que sim. Outra coisa muito idiossincrática minha: às vezes prefiro acumular um volume maior de leituras para sábado e domingo, do que ler um pouquinho todos os dias (principalmente trabalhos monográficos). Depende de cada um encontrar o seu jeito; e não tem jeito certo, desde que você termine a tarefa a tempo sem se esgotar.

Depois de medir uma participação em banca de doutorado (tese grande), cheguei à conclusão de que gastei quase 6 dias inteiros de trabalho, entre leitura, preparação da arguição e a defesa em si. Sim, seis dias rolando com a tese e as demais tarefas de dona-de-casa, mãe e professora. É muito! Então, toda vez que me convidam para uma banca, já tenho uma noção bem realista do tempo que vai me tomar. (Quando o trabalho é bom, tudo ótimo, aprendemos bastante… Mas quando é ruim, que sofrimento. No fundo, a grande medida para tudo isso é a qualidade do texto. )

6) Não dá para ler tudo – A vida é feita de escolhas, né? Essa é bem clichê mas a gente insiste tanto nesse erro que vale apontar: não dá para ler 1500 páginas por semana! E digo isso para alunos, que se sentem culpados porque não deram conta; e repito para os professores que (ainda) fazem seus programas de curso como se esquecessem que os alunos têm outros cursos para atender. Para ler 1500 páginas por semana, a pessoa teria que ler 11 horas por dia, de segunda a domingo (média de 20 páginas/hora). Quem tem condições de fazer isso? Eu até posso ler (e leio) um romance de 900 páginas numa semana livre. Mas isso se for uma boa ficção e eu estiver de férias! (Mesmo assim, varia. Por exemplo, li em seis dias Um defeito de cor, da Ana Maria Gonçalves; mas levei várias semanas para ler Middlemarch, da George Eliot. Ambos são imensos e adoráveis, mas são narrativas com ritmos diferentes.)

Sim, sei que alguns alunos ainda precisam aprender a se concentrar e a priorizar a tarefa da leitura. Ler para uma aula é parte do trabalho de ser estudante. Não desanimem, tá? A velocidade melhora com a prática e conforme vamos nos familiarizando com a linguagem acadêmica e com o vocabulário conceitual da área em que estamos inseridos. E às vezes o problema não é seu: é que o texto é ruim mesmo! Saber identificar essa diferença é um aprendizado. Tenham paciência.

Pelo lado dos professores, porém, vejo que alguns programam textos demais por aula. Isso pode ter motivos válidos, como apresentar um curso bem completo com o “estado da arte” de um tema. Mesmo nesses casos, o docente, na minha opinião, deveria calcular uma quantidade de texto obrigatória razoável: em torno de 100 páginas por semana numa pós-graduação que exige que o estudante faça três ou até quatro disciplinas por semestre. O restante pode ser indicado como leitura complementar. Alguns professores esquecem que eles leram aqueles textos ao longo de muitos anos, e não em poucos dias, como estão exigindo dos alunos. E tem os que montam programas imensos por vaidade mesmo. Sem comentários…

7) Tenha um kit de leitura (acessórios, bebidas e comidas) – Sou dessas que não consegue ler sem óculos e uma lapiseira na mão. Esse é meu kit-mínimo. Não importa se estou lendo romance, livro acadêmico, artigo, até PDF: preciso sublinhar, marcar, anotar. Minha companheira preferida é uma lapiseira Pentel 0.7, com grafite pelo menos 2B — se tiver 3B, melhor. Passei a comprar cor-de-rosa-choque porque as crianças não gostavam. Mas isso é passado. Hoje a Alice tem uma igualzinha e Antônio já me roubou várias. A solução foi enrolar washi tape para marcar a minha. 😉

Tenho um pequeno sistema de códigos pessoal de anotação, com carinhas (sorrindo, chorando, com raiva e de boca aberta), coração, pontos de exclamação e um sinal para quando encontro erros tipográficos. Sempre acho que vou escrever para a editora para avisar do erro, mas depois a preguiça me vence. Outra coisa que faço, quando gosto muito de uma frase ou expressão: reescrevo com a minha letra no alto da página, colocando entre aspas, só para destacar bem ou porque pode ser algo para trazer para o blog. Não uso caneta mas adoro rever um livro cheio de anotações. Quando não tem, é porque não gostei ou li correndo.

Além da lapiseira, costumo ter um lápis-borracha e um caderno ou bloquinho de rascunho. Outra coisa que não pode faltar: post-its de vários tipos. Quando já sei que vou dar aula sobre o texto, marco páginas com trechos essenciais para ler com os alunos. Em livros que não posso anotar, colo post-its maiores com anotações sobre os trechos que pretendo utilizar depois. Já tive suportes de leitura, desses que mantém os livros inclinados na mesa, mas o meu preferido quebrou e nunca mais consegui um igual (era cheio de regulagens, super leve, perfeito).

Finalmente, tem a parte sobrevivência para me manter acordada: comes e bebes! Copo d’água, chá, mate, refrigerante, suco, água com gás, vale tudo né? (Quem leu o post sobre meu TCC, sabe que ele foi feito à base de coca-cola diet. Tomei tanto que nunca mais! Café não está na minha lista porque não tomo, me perdoem a falha.) De comidinhas, prefiro todas que sejam pequenas e picadas, para durarem mais: pipoca, frutas cortadas ou uvas, passas, castanhas, biscoitos, chocolate amargo, até semente de abóbora. Serve qualquer coisa que me mantenha mastigando por um tempo, com o cuidado de não ser muito trash para não dar dor de estômago. Uma época, fiquei com mania de comer torrada seca (de pacote) picada em pedacinhos para render mais. Hoje em dia, costumo comer coisas sem glúten e continuo viciada no mate solúvel (sem açúcar); mas também tomo bastante chá, se estiver frio.

8) Prepare e varie seu local de leitura – Esse post começou inspirado no desenho do início: eu lendo no quarto da Alice com meu gato Charlie. É o único cantinho da casa onde tem rede e ainda bate o sol da manhã. Tornou-se um dos meus locais preferidos para leituras longas de trabalho. Na sala tem um cantinho bom perto da janela. Pra mim, o importante é ter boa iluminação, pois não enxergo bem, nem de perto, nem de longe. Por isso, reforcei as luminárias e lâmpadas em todos os cantos da casa onde pude. Meu sonho ainda é melhorar essa parte e, principalmente, no futuro, ter uma varanda.

Fora isso: uma leitura longa pede apoio para os pés, ventilador no calor, cobertor no frio! Se bater o sono, vale sentar numa mesa de trabalho mais formal ou até ler em voz alta. Mesmo mudar de lugar dentro de casa, ou ler num outro local ajuda. No meu prédio tem um espaço que dá para ler no terraço. Não vou sugerir que vocês leiam em cafés e bancos de praça porque não estamos no Instagram, né? Pelo menos no Rio de Janeiro, sei lá, é bem surreal: se for silencioso, é caro; se for barato, é barulhento; se for na rua, é sujo ou num cenário de desespero social. Talvez na praia ou em uma biblioteca dê jeito. Vocês conseguem?

9) Ler em papel ou PDF – Sou totalmente adepta da leitura em papel. Ler em telas é uma tortura, seja pelo cansaço ocular, seja porque não consigo memorizar os conteúdos. Computador, notebook, tablets, Kindle: todos me trazem a mesma dificuldade. Não sinto o texto, não me aproprio das palavras, não rendo.

Só que preciso ler PDFs mesmo assim! Na área acadêmica é praticamente impossível evitar. Quando não tem jeito, utilizo o aplicativo Books do Ipad e uso a canetinha para destacar ou anotar. Se for uma leitura importante, faço um fichamento à parte. Sobre o Kindle, não tenho, mas utilizo o app para Android e Ipad. Além dos preços mais baixos e do acervo de livros gratuitos (domínio público), a grande vantagem é a função de reunir todas as nossas marcações num arquivo à parte. Isso já me salvou para fazer bons resumos e selecionar trechos para artigos.

10) Ler livros, capítulos ou artigos – Assim como prefiro papel, também sou fã de ler livros inteiros ao invés de capítulos ou artigos. Semestre passado inclusive, dei um curso de graduação cuja bibliografia obrigatória era o volume todo do Truques da Escrita, do Howard S. Becker. As demais referências eram complementares. Os alunos adoraram. A maioria me disse que nunca tinha lido um livro acadêmico do início ao fim na faculdade!

Sei que essa não é uma proposta fácil, nem factível em todos os tipos de cursos. Mas reforço a ideia que defendi acima: não é porque uma prática não ocorre que não devemos desejar que passe a ocorrer. Os textos que mais marcaram minha vida foram livros que li integralmente. Foi esse tipo de leitura que me formou e é isso que desejo para minha vida e para a dos meus colegas e alunos.

11) Renove suas leituras com resenhas, entrevistas, ficção etc. – Um truque para entender melhor as ideias de um autor: ler resenhas sobre os seus livros e entrevistas que ele tenha dado em revistas acadêmicas. É impressionante como esses tipos de textos ajudam a encaixar um autor com suas reflexões e conceitos. Autores que escrevem difícil, às vezes têm um jeito de falar bem claro! Da mesma forma, uma boa resenha sobre um livro, pode nos trazer informações fundamentais sobre o contexto da obra, sua inserção numa área de pesquisa e suas principais contribuições teóricas e empíricas. Ler entrevistas e resenhas de forma aleatória é também um jeito divertido de buscar novos temas e abordagens para nossa pesquisa quando estamos enjoados ou empacados.

A leitura de textos de ficção que se aproximem (ou não) do nosso tema (por área geográfica, temática, histórica etc.) pode ser outra forma de sacudir nossas ideias. No caminho acadêmico, cabe ampliar o leque de autores, saindo da lista tradicional da sua disciplina. Tenho feito isso nos últimos anos e as descobertas são muitas. No sentido inverso também: reler clássicos que você leu quando ainda estava imatura traz supresas. Volta e meia me supreendo com releituras de textos que achava datados ou de pequena relevância. Isso ocorre tanto porque não estávamos preparados para entendê-los quanto porque, com o tempo, nossas perguntas e referências mudam.

12) Registre uma lista das suas leituras – Essa é uma dica bem simples: anote tudo que você lê! Não precisa baixar aplicativos sofisticados. Atualmente, utilizo uma planilha simples do Google, com número, ano, mês, autor, título, editora, origem, estrelinhas e um espaço para observações. É uma boa forma de lembrar do que li e do que gostei nos últimos meses e anos. Também é um jeito de registrar os PDFs que acabam perdidos em vários dispositivos diferentes.

Divido a lista por ano e a linha superior é a mais recente. Às vezes deixo em vermelho o que estou lendo (se estou com mais de uma leitura simultânea). Aproveito também para anotar os empréstimos com fundo em amarelo para não deixar de cobrar.

Nas primeiras linhas da minha tabela, deixo em cor cinza os autores e livros que tenho vontade de ler mas ainda não comecei ou não tenho. Alguns ficam morando ali durante anos e acabo apagando. Mas tem horas que essa listinha é um lembrete fundamental do que já tenho ou do que quero comprar.

Nessa planilha, ficam registradas todas as leituras (ficção, não-ficção; acadêmicas etc.). Só não anoto releituras para dar aula, pois são muitas e tornariam a lista super confusa.

13) Leitura dinâmica para situações de emergência – Aprendi essa dica com um professor que admiro muito. Mesmo sendo um gênio, ele teve a generosidade de me dizer que também não dava conta de ler tudo.

A sugestão era mais ou menos assim: “Karina, quando você não tiver mais tempo, pelo menos ‘sinta o cheiro’ do texto.” Fiquei olhando com cara de pastel: “Cheiro? Como assim?” Ele explicou: “Você vai folheando o livro, página por página, lendo os títulos dos capítulos e das seções. Se possível, leia a primeira linha de cada parágrafo. Isso já vai te dar uma ideia do que o autor quis dizer.”

Lógico que não é o ideal e que esse método pode gerar percepções erradas, mas eu estaria mentindo se dissesse que nunca fiz isso. Claro que sim. E também já apelei para aquele velho truque de ler só a introdução e a conclusão. Recomendo? Não. Mas às vezes a vida é assim, e a gente faz o que dá. 😉

14) Crie um grupo de estudos ou tutoria entre colegas – Essa foi sugestão de um amigo-professor que vem se deparando com os “alunos da pandemia”. A vida dos estudantes já era difícil antes da Covid-19, agora então… Muitos chegam na universidade depois desses dois anos de ensino online (seja no Ensino Médio, seja nos primeiros períodos da faculdade) se sentindo sem base para compreender as leituras e as aulas presenciais, mais densas. Uma forma de compensar isso pode ser criar grupos de leitura entre os colegas da própria turma ou com alunos mais experientes que possam atuar como tutores. Embora o exemplo seja entre alunos, eu mesma tive um grupo de leitura com colegas durante a pandemia. Recomendo.

15) Tenha um gato ou um cachorro pra ler contigo – Sei que esse conselho não deveria estar nessa lista, mas eu precisava de quinze itens, né? Cá entre nós, para quem já curte gatinho ou cachorro em casa: tem coisa melhor do que ler com um bichinho no colo? Eles são a melhor companhia do mundo.

E chegamos ao fim dessa listinha! Lembraram de algo que esqueci? Escrevam nos comentários por favor. Sou apaixonada por livros e pelo prazer de ler, a tal ponto que, durante uma boa parte da minha prática artística, eu só desenhava pessoas lendo!

Obrigada pelo mar de mensagens de carinho e apoio que vocês têm me mandado por aqui e pelas redes sociais. Tem dias que sou só lágrimas, melancolia e saudades, mas há outros em que sinto que vou sobreviver. Consegui ler, escrever e desenhar um pouquinho. Já significa muito.

Boas leituras para todos. Que vocês tenham amor, saúde e paciência. Até o próximo post! ♥

Sobre a citação: A epígrafe do post é do livro “Ex-Libris: confissões de uma leitora comum”, da Anne Fadiman. (Tradução de Ricardo Quintana, editora Zahar, 2002). Adoro esse livro. O meu original, todo anotado, se perdeu em algum empréstimo. Há uns anos atrás, acabei comprando outro mas ainda preciso reler para resublinhar tudo de novo. Apesar disso, nunca esqueci a parte em que ela conta sobre a mania do filho de comer os livros! Comia mesmo, principalmente se tivesse desenho de comidas. 😀

Sobre os desenhos: O desenho que abre o post foi feito no meu caderno-diário em tempos bem mais felizes (26/01/2022). Os demais desenhos foram feitos hoje (23/6) para o post, inspirados numa coleção de imagens sobre livros que junto há muitos anos. Alguns fazem referência aos Simpsons, como vocês podem reconhecer; a menina com a pilha de livros é inspirada num desenho do Quentin Blake, que amo. A menina estudando com um gatinho no colo fiz em homenagem a uma conta do Instagram que adoro seguir: @cats.friedaandhenry.

O caderno que utilizo como diário é um A5 espiral da Papel Craft, capa dura com elástico. (O link que coloquei é só um exemplo; a estampa do meu não tem mais.) É meio caro para um caderno, mas ganhei de presente e dura bastante. Tem um bom acabamento, 90 folhas e bom espaçamento entre as linhas. Apesar do papel ser 75g, consigo desenhar com canetinha e a cor não vaza para o outro lado. No dia-a-dia, para listas e organizações, uso um caderninho A5 da Tilibra de 80 folhas que custou R$12,50! Quando quero colocar algum desenho nele, faço num papel à parte e colo na página. Atualmente, o meu tem sido esse aqui:

Para esses desenhos, utilizei canetinha Pigma Micron azul 0.1 nas linhas, e marcador Tombow n. 451 azul claro. O primeiro desenho era só um registro pessoal, sem rascunho, sobre o “melhor do meu dia”. Segui o estilo nos desenhos de hoje, desenhando de forma rápida, sem usar lápis antes. Escaneei tudo e separei as imagens no Photoshop.

Você acabou de ler “Quinze dicas para ajudar a ler textos acadêmicos (ou não)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2022. “Quinze dicas para ajudar a ler textos acadêmicos (ou não)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3WN  Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Caderninho de consumo para pensar Cultura e Razão Prática de Sahlins – Ideia para aula lúdica (5)

Lais Caderninho Consumo_p1

“Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou tem movimento na sociedade humana, exceto pela signficação que as pessoas lhe atribuem.” (M. Sahlins)

Pessoas queridas, aí vai uma nova ideia para aula lúdica. A base é o texto  “La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como cultura”, de Marshall Sahlins, um dos capítulos do livro Cultura e razão prática (Ed. Zahar). Eu já tinha uma apresentação com imagens e citações para essa aula, mas em 2019-1 inventei um “Caderninho de Consumo”, feito pelos próprios alunos, cujo conteúdo depois é debatido em sala e por escrito. A proposta dessas aulas lúdicas é compreender conceitos antropológicos por meio de atividades divertidas, que valorizem a autonomia de criação e reflexão dos estudantes.

Segue o “plano de aula” que prevê dois encontros e um trabalho escrito. Os arquivos de apoio também estão abaixo. Fiquei feliz de fazer um post útil, pra variar. Dá trabalho, mas é um dos meus objetivos de vida e do blog. 😉

Objetivos da proposta:

. Produzir manualmente um “Caderninho de Consumo” para o registro de todos os itens consumidos pelos estudantes durante uma semana.

. Refletir (através dessa prática) sobre como e quais tipos de coisas ou situações consumimos, prestando atenção em seus significados, classificações e regularidades nos espaços e tempos do cotidiano.

. Perceber que existem diferentes tipos de consumo individual, mas também padrões coletivos. Buscar entender esse ponto através do compartilhamento das experiências da turma primeiro; e depois pelos argumentos do texto.

. Empreender uma experiência de aula que gere conhecimento e transforme, nos fazendo sentir que aprendemos algo, ou seja, realizar uma prática associada à reflexão.

. Lembrar que uma atividade de pesquisa pode ser divertida e interessante; pode ser vivida como um enigma, um quebra-cabeça que desvendamos.

. Fortalecer a autonomia: mostrar que podemos e devemos pensar a partir dos nossos dados, classificá-los e interpretá-los.

Preparação antecipada:

. É bom a professora treinar fazer o caderninho antes, seguindo o tutorial e/o os vídeos indicados abaixo.

. Caso seja possível, treine um estudante para ser monitor nessa aula, pois ajuda ter apoio para orientar os alunos e fazer os cortes.

Material necessário para a Aula 1:

. Papeis A4 brancos (1 folha por estudante, mais algumas extras).

. Algumas tesouras

Material necessário para a Aula 2 (que deve ocorrer 7 dias depois):

. Notebook e Projetor de datashow, além de um pen drive com o PDF indicado abaixo.

Dinâmica da Aula 1 – Como conduzo:

. Entrego uma folha de papel A4 para cada aluno e demonstro cada etapa das dobraduras bem devagar. Espero que todos completem uma etapa antes de ir para a próxima, e auxilio no corte do papel. Segue o tutorial abaixo em imagem e em formato .pdf para imprimir:

caderninhoA4_p

. Sempre lembro que não precisa ficar perfeito, e ofereço uma folha nova se alguém fica se queixando que o seu está “muito ruim”.

. Solicito que deixem a capa em branco e escrevam (com letra pequena) nas 7 páginas seguintes as datas dos próximos 7 dias. (Por exemplo, o caderninho da Laís, que abre o post, foi feito numa aula no dia 26/03/19. Na segunda página, vocês podem ver que ela anotou 27/03, e foi seguindo nas demais: 28/03, 29/03, 30/03/ 31/03, 01/04 e 02/04). É importante preencher as datas ainda na aula para os alunos saberem exatamente os dias em que terão que registrar no caderno. Outro detalhe: colocar o nome na primeira ou na última página.

. Sobre os registros, tento criar um clima de brincadeira, sugerindo que anotem, colem coisas, guardem notas fiscais, usem cores, etiquetas etc. 

. Observo que consumir é diferente de comprar. Podemos consumir algo que nos foi dado de presente, ou feito por alguém da família por exemplo. É um diário sobre isso.

. Trocamos ideias sobre o que eles acham que vão consumir nos próximos dias: surgem comidas, remédios, passagens de transportes, impressão de pdfs ou xerox, e também presentes, roupas, bebidas, ingressos para eventos e até substâncias consideradas ilícitas. Vale também consumo de celular, aplicativos, Uber etc.

. Peço que leiam o capítulo do Sahlins durante a semana em que estiverem fazendo o diário.

Dinâmica da Aula 2 – Como conduzo:

. Mando uma mensagem para a turma lembrando que é imprescindível levar o caderninho e ler o texto do Sahlins para participar dessa segunda aula.

. Abaixo, vejam o exemplo do caderno da Laís Batista Passos, que cedeu suas imagens para esse post (obrigada!). A disciplina era Questões Antropológicas Contemporâneas para o curso de Licenciatura em Ciências Sociais do IFCS/UFRJ, mas a Laís é do curso de Design. Seu caderninho reflete uma familiaridade com a produção visual, a colagem e o desenho que a maioria da turma não tinha, claro. Essas imagens me ajudam a demonstrar a proposta aqui no blog, mas fazer um caderno “bonito” não é o objetivo principal da aula.

Lais Caderninho Consumo_p2

. Para começar, peço que os alunos falem sobre o que chamou sua atenção durante o processo. Solicito que leiam parte de suas anotações para a turma. Tivemos momentos bem divertidos sobre a diferença entre finais de semana e dias úteis, sobre gastar tudo num dia com os amigos e depois não ter dinheiro pro ônibus, sobre rotinas e vícios etc.

. Depois, sugiro que eles troquem caderninhos entre si. Geralmente, entre os amigos mais próximos, se as anotações forem muito pessoais.

. Em seguida, passo à apresentação do Power Point, que traz frases do Sahlins e imagens que busquei para dar visualidade aos argumentos do autor.

. Segue para download a minha sugestão de Apresentação do texto em aula.

. Não vou explicar aqui os principais pontos do texto, pois já estão na apresentação acima.

. Ao longo da aula, continuo conversando com os estudantes sobre as anotações de consumo deles. (Em semestres anteriores, já fiz nessa etapa uma análise das roupas na turma. É uma atividade bacana, mas exige um grupo menor, com uma certa confiança coletiva que nem sempre temos no ambiente universitário atual.)

Trabalho escrito:

. Para amarrar o debate, peço que eles façam um trabalho escrito em casa (mas poderia ser em uma 3ª aula, com consulta), analisando o próprio “caderninho de consumo” em diálogo com o texto do Sahlins. (Prefiro pedir para casa para poder ler o trabalho digitado e não à mão.)

. Alguns alunos pedem para refazer o caderno, pois não se dão conta da sua importância (muitas vezes porque não leram o texto a tempo). Sempre deixo. Acho um ganho enorme quando um estudante quer reelaborar um exercício. Mesmo que a motivação seja a nota, para mim, significa um investimento afetivo (tanto por ser fruto de uma auto-avaliação, quanto pelo tempo dispendido em pensar e refazer a proposta).

. Na aula seguinte, peço que me entreguem o caderninho e um trabalho escrito digitado de cerca de 2 páginas. (Lembrete: levar clipes extras para a aula de receber caderninhos e trabalhos porque eles esquecem de juntar!)

Avaliação:

. Procuro avaliar se eles conseguiram compreender a teoria relacionando-a com a prática, de preferência, sem ficar apenas no plano individual. Esse é o meu principal critério como docente, principalmente em aulas que envolvem atividades lúdicas.

. Em geral, atribuo uma pontuação pequena para esses exercícios: de 2,5 a 3,0 pontos na primeira nota. Procuro avaliar se o estudante compreendeu o argumento central do texto, e se se empenhou em refletir e realizar a tarefa, incorporando as sugestões de temas e composição da aula 1. Não faço avaliação estética.

Espero que tenham gostado e que seja útil. Experimentem, mandem comentários, sugestões e notícias das aulas de vocês. Bom começo de semestre a todos! ☼

Sobre o texto da aula:  SAHLINS, Marshall. 2003 [1976]. “La pensée bourgeoise: a sociedade ocidental como cultura”, In: Cultura e razão prática. Rio de Janeiro, Zahar, p.166-203.

Material para download feito por mim:
Tutorial sobre como fazer o caderninho: baixar PDF.
. Apresentação sobre o texto de Sahlins: baixar PDF.

Links para tutoriais de caderninhos no YouTube:
• Em português: https://youtu.be/uICW1MXNR1E?t=53
• Em inglês: https://youtu.be/ptT6ixIwJbU

Esse é o quinto post de uma série sobre aulas lúdicas:

E talvez vocês gostem de outros posts com a tag mundo acadêmico.

Sobre o caderno da Laís: O caderninho que abre o post foi feito pela aluna de graduação em Design da UFRJ, Laís Batista Passos. Ela seguiu o tutorial em aula e depois fez desenhos à mão livre e colagens (capa, contracapa, roupa amarela, pedaço de papel). Cliquem nas imagens para ver maior!

Sobre o tutorial de como fazer o caderno: Desenhos feitos por mim, primeiro a lápis, depois passados a limpo com uma caneta de naquim descartável 0.5 da Derwent. Tracejado das dobras feito com canetinha Pigma Micron 0.2, setinhas azuis e corte vermelho com Pigma Micron 0.2, sombras internas e na tesoura com caneta pincel Tombow. Depois escaneei na Epson L396 e ajustei tudo no Photoshop, onde também fiz as legendas e o título. Espero que esteja fácil de seguir. Se não, escrevam as dúvidas nos comentários por favor.

Você acabou de ler “Caderninho de consumo para pensar Cultura e Razão Prática Sahlins – Ideia para aula lúdica (5)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! ☺

Como citar: Kuschnir, Karina. 2019. “Caderninho de consumo para pensar Cultura e Razão Prática Sahlins – Ideia para aula lúdica (5)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3Lj. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Caderninho bom, bonito e barato

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Queria dividir com vocês uma pequena grande alegria da minha semana: estão à venda na Papelaria Botafogo meus amados caderninhos Hahnemühle. Taí um raro item importado que se encaixa na categoria bbb (bom, bonito e barato)! Por 16,00 reais, leva-se para casa um kit de 2 cadernos, cada um com 40 páginas de papel marfim (claro) 125 gr, costura na lateral e uma etiqueta de brinde para identificar.

Aprendi a amar esses caderninhos super leves, com folhas que aguentam bem uma ou duas camadas finas de aquarela. Comprei os primeiros em Lisboa e me apaixonei. Parece bobagem, mas quem adora desenho sabe como é difícil não sair de casa com dois quilos extras de material na mochila. Claro que meu pequeno estoque (de 6) terminou logo.

Para minha felicidade, essa semana fui bater ponto na Papelaria Botafogo e lá estavam não só esses caderninhos maravilhosos, como uma enorme variedade de papeis Hahnemühle de todos os tipos. Fiquei tonta.

Só quem ama material de artes sabe o sofrimento de tentar comprar alguma coisa no Rio de Janeiro. Aqui era preciso escolher entre a falida Casa Cruz (que nos deprimia mais a cada visita, até fechar), o tumulto impessoal da Caçula (com suas filas de supermercado Guanabara) e os poucos produtos e altos preços da JLM.

A paisagem era essa até que o Claudio Lopes, dono da Papelaria Botafogo, começou uma pequena revolução. Foi enchendo sua lojinha de coisas maravilhosas — Sakura, Staedtler, Copic, Faber-Castell, Hahnemühle, Van Gogh, Canson, Posca, Stabilo, Kum –, a maioria inéditas no Rio, com preços mais justos que a concorrência (quando tem).

A Botafogo é uma papelaria-de-raiz, na beira do asfalto, com caneca de Feliz Dia das Mães na vitrine de alumínio, com dezenas de miudezas no balcão e uns trambolhos pendurados aleatoriamente no teto. É a antítese da esnobe Casa do Artista de São Paulo.

Entrar lá é uma viagem às papelarias da infância, daquelas de bairro, onde se parava de bicicleta na porta para comprar um lápis, uma borracha e, de vez em quando, um presente no dia das crianças. Tinha duas dessas perto da casa da minha avó.

Imaginem a sensação de caça-ao-tesouro: você entra na Papelaria Botafogo e acha uma estante de Copics e Hahnemühle. Sim, estou parecendo deslumbrada, né? Tudo bem, me deixa. É tão raro a gente ter uma pequena alegria nessa cidade! E a minha custou apenas 16,00 reais.

Aviso importante: esse não é um texto pago! Só falo aqui no blog de materiais que realmente amo e utilizo. Escrevo porque sou extremamente grata de ver essa loja acreditando tanto nos materiais de arte. Além de ser uma simpatia, o Claudio me dá uns descontinhos, como a todos os clientes frequentes. Ele nem sabe que estou escrevendo esse post. Espero que goste e se sinta homenageado!

Queria agradecer a todos que comentaram o post da semana passada. Hoje e nos próximos dias vou responder os comentários. Foi muito emocionante ler os depoimentos da Deise, da Eunícia, da Marília, da Sarah e de tantas pessoas maravilhosas que abriram o coração. Muito obrigada pelo carinho! ♥

Como disse a Viola Davis, numa entrevista linda à Brené Brown, de 9/5/18, para aguentar as agruras da vida:

“Eles dizem para você desenvolver uma casca grossa, então as coisas não chegam até você. O que eles não dizem é que sua casca grossa impedirá que tudo saia, também. Amor, intimidade, vulnerabilidade.

Eu não quero isso. A casca grossa não funciona mais. Eu quero ser transparente e translúcida. Para que isso funcione, não vou absorver críticas de outras pessoas. Não vou colocar o que você diz sobre mim nas minhas costas.” (Viola Davis)

(Tradução acima do Google, com algumas trocas minhas, especialmente de “thick skin” por “casca grossa” que achei mais usual em português do que a literal pele grossa sugerida. Vale a pena ler a entrevista toda.

Amanhã faz dois meses: bora participar das manifestações #JustiçaParaMarielleEAnderson

Um final de semana com alguma leveza para todos nós!

Sobre o desenho: Caderninhos desenhados com Pigma Micron 0.2, coloridos com aquarelas Winsor & Newton, no verso de um bloco Canson (Mix Media). Utilizei uma canetinha  Gelly Roll 0.8 branca da Sakura para fazer as costuras laterais, uma canetinha Pigma Micron  0.05 cor sienna queimada para os galos do símbolo da Hahnemühle e uma canetinha 0.5 cinza Graphik Derwent Line Maker para fazer as sombras da etiqueta e do símbolo da Papelaria Botafogo.

Você acabou de ler “Caderninho bom, bonito e barato“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “Caderninho bom, bonito e barato”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3Ev. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Querido diário

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“Querido diário,
Oi, hoje quando acordei estava uma chuva danada, aí fiquei vendo televisão, afinal não tinha nada para fazer. (…) Depois eu joguei War com meu irmão e como sempre perdi.” (K, 11 anos)

Tenho lido diários de escritores. Não gosto de reler os meus, principalmente os da infância… As minhas páginas são uma coleção de fracassos e eventos banais. No colégio, eu penava nas aulas de Educação física, onde havia duas Sílvias, a professora e a melhor aluna:

“Rio, quarta
Hoje foi um dia comum, tive educação física, e outra vez fiquei morrendo de ódio só que desta vez foram das duas sílvias (com letra minúscula). A pequena ficava dizendo que eu não sabia jogar, e como tinha gente demais ela dizia que era para eu sair. Quando alguém errava a bola ela falava: Aí, a bola foi na sua frente! E quando a bola ia pra ela, ela errava e dava um risinho idiota. Hug! que raiva. Karina” (11 anos)

Sei que nunca fui popular, mas guardava uma imagem de ter sido boa aluna, interessada nas aulas. Nos diários, escrevo para contar essas alegrias? Não. Encontro isso:

“Acho que o mês foi positivo, apesar de eu ainda não ter muitos amigos na escola. Estou muito chatiada com isso. Quarta feira passada eu fiquei muito chatiada, eu quase chorei. Quando formaram os grupos na aula ninguém quis que eu entrasse no seu grupo e ainda assim eu entrei porque a [professora] mandou. E elas ainda ficaram reclamando. Um beijão da Karina. Tchau!!!!!” (12 anos)

Na minha memória, eu era uma criança apaixonada por livros, que amava a biblioteca do bairro e a da escola. Nas páginas do passado, estou sempre vendo novela!

Oiíííí… gostou do meu oi? Poxa, eu tô chateada, sabe o que é? é que Água Viva acabou e agora vou ter que ver aquela novela ridícula “Coração Alado”. Não aguento mais essa Janete Clair, uma careta. (…) Hoje tive aula de Datilografia, adorei! (…) De noite a mamãe trouxe uma amiga pra cá. Jantamos e fui ver Planeta dos Homens e Malu Mulher. Um beijão, Karina” (11 anos)

Foi uma fase difícil: mudei de escola, tinha medo de bomba atômica, estava virando adolescente e percebendo que não tinha pai. Aqui e ali, registrei que gostava das aulas de datilografia e de andar de bicicleta; outro dia, minha empolgação por trabalhar como babá das minhas sobrinhas, uma praia, um livro, várias brigas de irmãos; eu sempre escrevendo cartas e querendo ser certinha:

Ah!! Uma coisa que eu tava louca pra te contar. Sabe a minha professora de violão, pois é, eu não tô confiando muito nela não, sabe porque? Eu vou te contar. Ela tem 13 anos, e não é lá maravilhas no violão, e tá sempre desmarcando as aulas falando que vai ligar e não liga. Sabe o que eu penso? Eu acho que ela não tem responsabilidade, né?! (K, 11 anos)

Coitada dessa professora, aos 13, sendo criticada pela aluna de 11!

Ao final, acho graça de perceber que, mesmo depois das histórias mais tristes, eu terminava o registro do dia com uma despedida animada:

Gostou? Por hoje é só! Um beijo e boa noite. Até a próxima. Já vou. Amanhã tem mais! (K, 11 anos)

Será que eu já pensava em escrever um blog?

A ideia de fazer esse post veio das minhas leituras atuais (depois conto) e dos cadernos feitos à mão pela artista Marilisa Mesquita, que registrei nessa página durante a viagem à Portugal no ano passado. São forradinhos de papel ou tecido, cada um mais bonito do que o outro — tem até caderno-colar. Nesse dia, no café da Fundação Gulbenkian, tive a sorte de apresentar a Marilisa às queridas Sonia Vespeira de Almeida e Ana Isabel Afonso, duas pesquisadoras que admiro imensamente. Ai, que saudades dos amigos de Lisboa! (Mais sobre Portugal nesses posts aqui.)

Sobre o desenho: Linhas feitas com canetinhas Pigma Micron 0,2 num caderno Stillman & Birn, Delta Series, Ivory, 270 gr., 8 x 10 inches. Depois colori com aquarelas diversas, deixando secar bem entre uma camada e outra. Na parte inferior do desenho, brincamos juntas com o carimbo (também feito pela Marilisa) e as tintas da aquarela mesmo.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “Querido diário”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3DW. Acesso em [dd/mm/aaaa].
 

 


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Nos vemos semana que vem!

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A irmã de uma amiga é terapeuta, daquele tipo que interrompe a sessão no meio de uma conversa. Fiquei super curiosa para saber como é. Minha amiga, muito despachada, começou logo a simular uma análise comigo e com o meu namorado. “Como vão vocês?”, ela perguntou. E nós, blá blá blá… até que trocamos, sem querer, o nome de uma pessoa bem próxima sobre a qual estávamos falando. E ela, muito séria: “Então… [pausa], vamos falar sobre isso? [pausa] Nos vemos na semana que vem.”

E assim seguimos, tendo várias mini conversas terapêuticas, encerradas toda vez que esbarrávamos num deslize sobre um assunto importante. Ela nos interrompia rapidamente com um olhar penetrante e um “Nos vemos na semana que vem!”

Só de lembrar, morro de rir. Imagina você começar a falar sobre seus pais com sua irmã, que se esquece que não está no consultório e te corta com um “nos vemos na semana que vem.”

Claro que isso não é crítica a nenhum tipo de terapia. Foi só uma brincadeira (que explica as frases do desenho acima). Na mesa, vocês também podem ver o livro “Flupp Pensa – Narrativas 2016”, presentinho dessa amiga querida, que estou super curiosa para ler.

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Os desenhos acima fiz enquanto escutava o podcast da ilustradora @frannerd, para quem contribuo, via Patreon, com 5 dólares por mês. É uma diversão ouvir as aventuras dessa chilena, de 30 anos, radicada com o marido na cidade de Hastings, Inglaterra. Acompanho como se fosse uma série sobre desenho.

Tenho muita dificuldade de achar graça nas séries que vejo recomendadas por aí. Primeiro, porque não suporto a glamourização da violência (o que já exclui 50% das séries). Segundo porque, depois de anos dando aula de teoria da comunicação, adivinho a maioria dos roteiros nas primeiras cenas. Então, não sobra muita coisa.

Na imagem, incluí também os meus gatos, Charlie e Lola, assim como o livro gigante que consegui terminar no final de novembro. Não posso escrever sobre ele aqui no blog ainda, infelizmente!

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Essas plantinhas acima desenhei em Itaipava, para onde tive a felicidade de ir no final de semana passado, com Alice, Antônio, minha mãe e mais quatro amigas da Alice. Foi uma comemoração antecipada do aniversário de 12 anos dela, minha filhotinha crescida. Não  conto mais tantas histórias da Alice aqui no blog para proteger a intimidade dela… Mas nosso dia-a-dia tem sido muito feliz: nesse último ano, ela cresceu por dentro e por fora. Está tocando violão lindamente, cozinhando muito bem, escrevendo redações engraçadas e criativas, e continua querendo brincar de cosquinha e pique-esconde. Viva os 12!

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Para encerrar, o desenho de um objeto que eu já tinha quase esquecido que existia aqui em casa: uma caixinha de linhas coloridas. Ressurgiu de dentro da caixa de costura outro dia a pedido de uma amiga do Antônio. É muito bonito ver as novas gerações recuperando práticas manuais. ♥

Bom final de semana, pessoal!

PS para quem está escrevendo tese — Foi bem difícil escrever esse post — e olha que não era sobre nenhum assunto importante! Achei que não conseguiria, estava morrendo de preguiça só de pensar. Por isso, queria dizer: comecem, escrevam mesmo que não estejam com vontade de escrever. Vocês não estão sozinhos. Força aí. Prometo que na semana que vem eu volto com a segunda parte do post Você vai deixar de me amar se eu não acabar a tese?.

Sobre os desenhos: Desenhos feitos num caderninho Laloran com uma capa azul escura, com borda de tecido em padronagem que lembra azulejos portugueses azuis e amarelos. Assim, resolvi utilizar apenas essas cores nos desenhos internos. As canetas utilizadas estão na imagem que abre esse post.

 


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Caderninho azul

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Página inicial com as canetas que desse caderno: 1 Pigma Micron 0,2 azul, 1 Faber-Castell Pitt artist pen brush amarela (cor 184), 1 Muji 0,38 gel azul, 2 Tombow dual brush (1 azul clara, n.451 e 1 azul média n.526). 

Tenho visto tantas pessoas cansadas nas minhas redes sociais que hoje resolvi fazer um post só de imagens. Há tempos não mostro as páginas dos meus caderninhos do dia-a-dia. Como já mencionei, tenho feito desenhos com cores restritas como uma forma de treino (e também para carregar poucas canetas na bolsa!).

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Desenhando frases do Podcast da Fran Meneses (só da @frannerd) e uma versão psicodélica da Lola, minha gatinha tricolor

Uma das coisas legais do podcast da @frannerd é a sensação de ouvir a real do dia-a-dia de uma ilustradora, sem aquele estilo “olha como sou feliz” das redes sociais. As frases da página são dela: “estou tão cansada e culpada de estar cansada” (acho que todas as pessoas que conheço estão assim); e “estou morrendo de medo mas tentando seguir em frente” (idem).

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Raridade: fomos a um restaurante a pedido da Alice. Arrependimento total: comida ruim, preço caro.  Na volta, fiz esse desenho muito tosco do gatinho Charlie.

Uma das coisas estranhas de desenhar com azul é constatar que tudo fica com um clima melancólico, mesmo uma cena feliz.

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Charlie e Juva lendo num dia de chuva

Outro momento raro: depois de uma consulta médica, resolvi aproveitar o pátio do prédio para desenhar o camelô do outro lado da rua.

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Camelô baixinho com carrinho fofo e mesa com toalha de flores. ♥ 

Concluindo: ainda não cheguei nem na metade e já estou querendo desistir de tanto azul! Preferi mil vezes trabalhar com o rosa e o vermelho. Não deixa de ser um aprendizado sobre mim mesma… Vamos ver se sou persistente (ou teimosa) o suficiente.

Bom final de semana, pessoal! Que seja de sol e descanso! ☼

Sobre o desenho: Além das canetas indicadas no início, os desenhos foram feitos num caderninho Laloran. Foi justamente a capa azul escura, com borda de tecido em padronagem que lembra azulejos portugueses, que me fez instituir o azul como tema. É o caderno do meio na imagem abaixo.

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Três caderninhos Laloran que trouxe de Portugal em janeiro/2017

Você acabou de ler “Caderninho azul“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2017. “Caderninho azul”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3yU. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Vida em família

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Volta e meia me vejo como uma mãe-abaixo-de-zero no termômetro de felicidade das redes sociais. Não vou à praia com as crianças, esqueço que é feriado e morro de preguiça de encher o pneu da bicicleta. E, pior, quando passo o dia caçando Pokémon e andando de patins, esqueço de tirar fotos! Haja auto-estima.

Para completar, é um enorme desafio produzir um-dia-com-foto-feliz aqui em casa. Meus filhos têm idades, vontades e personalidades diferentes. Vamos pro sol: Alice ama, Antônio resmunga. Vamos pra feirinha de antiguidades: Antônio vibra, Alice se esconde no armário. Vamos para a vovó? Antônio quer show de música alternativa.Vamos de metrô? Alice quer táxi. Vamos ao cinema, eba, pipoca: perdemos a sessão porque não há consenso do filme! Haja persuasão.

Há duas semanas, cansada de ser a pior mãe do mundo, resolvo propor uma troca: vamos a uma exposição (Antônio) e depois à Lagoa (Alice). “– Uma horinha em cada local, gente!” Só com essa frase para convencê-los a aceitar o programa do outro. Ufa, vambora.

Não tirei foto, mas nem precisava. Saí desse dia com o coração maior que o mundo. Já no final da exposição do Picasso, Alice propôs: “Vamos desenhar?”  Claro, claro, pensamos, tirando os cadernos e as canetas da bolsa (por sorte, ou premonição?, tínhamos três de cada). E o resultado está nos desenhos que abrem o post: três olhares sobre a “Grande banhista com livro”, por Alice, Karina e Antônio, nessa ordem. Os tamanhos originais são mini, pequeno e médio (A5), da esquerda para a direita, em função da dimensão dos cadernos que usamos. Igualei para facilitar a visualização. Amo as pequenas diferenças, as legendas de cada um, a conversa silenciosa dos traços vistos lado a lado, as lembranças do momento em que trabalhávamos juntos em silêncio, nossas risadas de comparação, os guardas sorrindo com a cena.

Mais tarde, na Lagoa, cumprindo o trato, lá fomos andar naquele carrinho desengonçado, meio charrete, meio triciclo, que quase capota na menor curva. Eu e Antônio reclamamos tanto que a Alice aceitou trocar os dez minutos finais por um milho cozido, na barraquinha da vendedora simpática, nossa conhecida dos tempos em que eu era 5 anos mais nova e bem-disposta. Sentados na beira do pier, terminamos o dia nos divertindo observando a disputa dos peixes com um frango d’água por uns pedacinhos de milho. Sem fotos, mas com o termômetro interno lá em cima!

Sobre os desenhos: Os materiais da Alice foram um caderninho-mini com canetinha nanquim Graphik Derwent 0.1. O meu desenho (no meio) foi feito num caderno Moleskine 14x9cm, com canetinha Pigma Micron 0.05. O Antônio estava com o caderno preferido dele, um Canson Artbook A5, e a canetinha preferida também: a Unipin 0.4. Para quem não sabe, ele é o artista da família, autor de várias pinturas e centenas de desenhos — alguns à vista na página Onimul. A imagem do quadro do Picasso que observamos-desenhando pode ser vista na wikiart.org (explorem lá, esse site é o máximo!!): aqui.

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Resolvi compartilhar também um retrato recente que fiz da Alice. Ficou com a carinha de tédio dela depois que eu e o Antônio cansamos de brincar na piscina. Para vocês verem como a minha avaliação de boa mãe dura pouco!

PS: o título do post é inspirado na série “Family time” do Nelson Paciência, um dos meus desenhadores preferidos, sobre quem já escrevi aqui.


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Realidade alternativa

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“Quando se perde alguém querido, sempre resta algo de irreal nessa ausência.” (Arthur Dapieve)

Assim como a epígrafe, o título do post veio da crônica “Chuva permanente” de Arthur Dapieve, publicada no Globo de 6/05/2016. Um texto sobre o luto, lindo e triste, triste e lindo. Que bom que artistas como ele existem para nos explicar o que não tem explicação.

Aproveitei a deixa para compartilhar com vocês um pouco da minha “realidade alterativa”. Tenho tentado viver todos os dias pelo menos por alguns minutos nas páginas dos cadernos de desenho. Como me disse uma sábia terapeuta, a arte (ou qualquer atividade que amamos) não nos cansa. Ao contrário, é onde recarregamos as baterias do espírito. (Não reparem, estou relendo muito Lévi-Strauss ultimamente!)

. A crônica do Arthur Dapieve pode ser lida aqui.

20160513 dora blusa 20160513 flores 20160513 peixe

20160513 aula taxi

Sobre os desenhos: Os desenhos foram feitos a partir de diferentes fontes: fotografias (da Lagoa, das pessoas pintadas de preto, da sequência Alice-celular-perdido-no-taxi; flor lilás); do Google Street View (atelier da Dora); e da observação direta (Tristes trópicos, blusa, estampas no metrô e peixinho-chaveiro). Tenho muita dificuldade de desenhar em ambientes abertos: sinto-me vulnerável e desconfortável. Amo desenhar por observação, mas definitivamente prefiro me sentir segura, em casa, no metrô ou em algum local mais protegido. Terá sido minha adolescência na violenta cidade do Rio de Janeiro dos anos 1980 tão traumática? Acho que em parte sim. O Rio cidade-comum (não a turística) é barulhento, atropelativo, sujo. Ou eu é que não sei onde ir… Os materiais foram os de sempre listados aqui.


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Laloran, ondas de papel

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“minha mãe dizia
— ferve, água!
— frita, ovo!
— pinga, pia!
e tudo obedecia”
(Paulo Leminski, Toda poesia, p.39)

Os cadernos Laloran são como tudo que nos faz bem: comidinha de casa, trabalho com pausa, passeio com paisagem, vida com foco, apoio de mãe. De todos os materiais que uso para desenhar, são os mais especiais (e os mais bonitos). Comprei o primeiro em 2011, em Lisboa, das mãos da artista Ketta Linhares no evento anual dos Urban Sketchers.

Ketta e seu marido Mário Linhares são uma dupla doce e talentosa que se dedica a traçar delicadas pontes intercontinentais. Ambos também desenham e escrevem sobre suas viagens. Ano passado lançaram um livro encantador sobre a Costa do Marfim (Diário de viagem: Costa do Marfim). Em 2015, nasceu seu segundo bebé, como se diz em Portugal.

Na pilha que desenhei, só o caderno de cima é feito com tecido tais timorense artesanal. Os dois debaixo foram um pouco mais baratos porque originalmente tinham a lombada de tecido de algodão cru. As listras (de canetinhas e lápis de cor) foram pintadas por mim depois e por isso esses exemplares são únicos!

Ketta é filha de pais timorenses. Ela nos conta que a marca “Laloran” surgiu depois de ouvir a ladainha de sua mãe num telefonema, preocupada com as ondulações da vida da filha… “Laloran, laloran, laloran…” dizia a mãe, usando uma palavra que significa “onda” em tétum, língua nacional do Timor-Leste.

Assim surgiu o primeiro caderno, e depois outro e mais outro, devagarzinho. São pequenas obras de arte que saem das mãos de Ketta para criar…

“…espaços que revelam pensamentos, na forma escrita ou de desenhos, sobre o mundo” (palavras dela).

Sinto ainda uma emoção especial por esses Laloran pois sei que compartilho esse apreço com desenhadores mundo afora, mas especialmente com o Eduardo Salavisa, um dos artistas que tanto admiro e que me apresentou à Ketta e ao Mário.

E me despeço sem encher o post de links para que vocês possam focar nesse simpático filminho de um Laloran-sendo-feito: https://vimeo.com/45731877  (4:34min., criação de Patrícia Pedrosa)

E já ia me esquecendo do site dos cadernos! http://book-sketch.blogspot.com

Sobre o desenho: No verso de um pedaço de papel Canson Moulin du Roi (gran fin, mas não gostei desse papel…), o desenho foi feito com canetinha Pigma Micron 0.05, pintado com pincéis Anna Mason e  tinta aquarela Winsor & Newton. As listras foram feitas com canetinhas Staedtler triplus fineliner e lápis de cor Caran d’Ache, com auxílio de uma régua. As sombras foram pintadas com waterbrush Kuretake. Sobre esses equipamentos, tenho colocado mais informações na página Materiais.


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Uma cidade, duas cidades

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Nosso gato Ulisses ficou doente essa semana. Entra na caixa, sai da caixa, agonia, miado. A veterinária é certeira: o problema é no intestino. Segunda-feira, às 8h da manhã eu já estava na porta da clínica de ultrassom em Ipanema (“a única que serve”, diz a vet-super-exigente; e quem sou eu pra contestar…) Cheguei cedo nesse pedacinho da cidade que quase não frequento desde a morte do Gilberto (Velho)…

Que conforto achar um banco de madeira na calçada! Entre a clínica e a loja de suco, sento-me com a caixa-e-o-gato-dentro. Ao meu lado, um senhor forte, pelos oitenta anos. Aos poucos, várias pessoas param para falar com ele. Oferecem suco, conversam sobre os filhos, falam mal da política… Todos o chamam de “sensei” — e me dou conta de que ele deve ser um mestre de artes marciais de alguma academia ali perto.

Durante os vinte minutos de espera, desenho as pessoas que vão passando. Sinto saudades de Lisboa, do Eduardo Salavisa a desenhar no Parque da Estrela, dos eventos da comunidade de desenho urbano.

“To know one town, you really need two towns.”

A frase é do artista Jonathan Twingley na sua aula na Sketchbook Skool dessa semana. A “arte”, ele diz, “é sobre tudo que está vivo”. Precisamos de liberdade (e prática, muita prática) para criar.

A orla, as montanhas e as lagoas do Rio são lindas, sim; mas conhecendo a vida em outras cidades é que sentimos o quanto vivemos apertados, cansados e estressados aqui. No ponto, no ônibus, no metrô, na faculdade, nas papelarias, na cobal: a expressão de fadiga é democraticamente distribuída. Que sorte a minha ter uma caneta e um caderno nessas horas!

6 Coisas impossivelmente-legais-inusitadas-interessantes-engraçadas-difíceis-ou-dignas-de-nota da semana:

* Alice toda feliz na volta da escola: “Mãe, hoje aprendemos matéria nova em português! Porque, por que, porquê, que, quê com acento!”

* Ouvir a voz de Mário de Andrade! Descobri a gravação de 1940 graças ao link enviado pelo querido André Botelho que compartilha comigo a paixão por esse escritor-músico-poeta-artista-tudo.

* Aula de espaço negativo e modelo-vivo no IFCS: palmas para a turminha nota mil desse semestre de Antropologia e Desenho!

* Fiz um novo sketchbook sozinha, com cadernos costurados, guarda de craft e capa-envelope… tudo nos moldes do que aprendemos na Palmarium, mas com tamanho 19,5 x 17,5. Papel de aquarela encomendado na Dritter: Conqueror Connosseur Soft White 300gr 100% algodão. Custo total com 48 páginas: menos de R$ 20,00 reais!

* Sorvete no feriado com as crianças… passam vários meninos e meninas vendendo balas e pedindo sorvete também. Meus filhos conversam comigo sobre a situação, falam que trabalho infantil é proibido, pensam nas alternativas e na falta delas. “Para onde poderiam ir, mãe?” “Será que não poderiam denunciar a tia (que os coloca pra trabalhar) na delegacia?” [Suspiro.] Vou comprar um picolé para os dois que nos pediram. O pequeno é tão pequeno que não sabe que sabor quer. Eu digo que manga é bom, mas ele se diverte pedindo cada hora um diferente. Depois se conforma com o de abacaxi, igual ao da irmã/prima. Apesar da tristeza da situação, me conforta saber que meus filhos, mesmo muito jovens, não são alienados ao mundo que os rodeia.

* E porque às vezes é preciso esquecer disso tudo: dia-de-correio-feliz ontem! Chegou um romance novo-usado por R$14,90 via Estante Virtual! (Se for bom, depois indico.)

E a semana de vocês?

Sobre o desenho: Canetinha Pigma Micron 0.8 (estava com saudade das linhas mais largas!) em caderninho Canson pequeno (A6). Adicionei as cores com aquarela mais tarde em casa.