Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)

Vamos à Parte 2 da aula lúdica que fiz para a disciplina de Laboratório de escrita. Materiais e dinâmicas propostas estão na Parte 1, assim como a análise das duas primeiras perguntas.

Aqui chegamos ao que mais me interessava: como os estudantes se sentem em relação à escrita e à leitura na faculdade de Ciências Sociais? (As respostas são anônimas.)

Pergunta Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

No lado positivo, salta aos olhos que os alunos amam escrever sobre temas que lhes interessam. O mesmo ocorre quando conseguem vencer desafios, tipo “escrever um texto de 10 páginas”, ou conectar autores como “Freud e Lélia Gonzalez”. É desses trabalhos de vulto que eles se orgulham, e ainda mais se tiverem um retorno positivo por parte dos professores. Outra alegria é quando descobrem fontes e métodos, como pesquisar na hemeroteca da Biblioteca Nacional pela primeira vez.

Em relação às experiências negativas, a turma se dividiu entre três queixas principais: a) dificuldade com prazos (a maioria!); b) desgosto com autores e temáticas; c) rejeição a formas acadêmicas, como provas, resumos, formatações complicadas, trabalhos em grupo. Confesso que me surpreendeu ler apenas duas respostas sobre desafios emocionais (depressão e insegurança). Talvez esse tema tenha sido encoberto pelo problema dos “prazos”, com frequência ligado à ansiedade e outros sentimentos difíceis.

Ou seja, profs queridas, para estimular escritas, precisamos dar espaço para eles explorarem escolhas e fontes, mas lembrando de desafiá-los com propostas ambiciosas. Para dar certo, isso tem que vir embalado com cronograma e apoio para redigirem em etapas, sem deixar tudo para o último dia.

Resumindo, é o básico que a gente também precisa, né? Eu pelo menos queria uma prof assim! 😉

Pergunta Laranja — Fã ou Hater — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Essa pergunta trouxe uma contra-estatística maravilhosa do mundinho “das humanas”. As autoras mais amadas são mulheres negras: Lélia Gonzalez, Bell Hooks, Conceição Evaristo, Patrícia Hill Collins, Grada Kilomba, Sueli Carneiro. (Já os mais citados homens foram Paulo Freire e Franz Fanon). Dá para sentir o motivo… As escritas preferidas têm “sensibilidade” para tratar de “problemas do cotidiano”, geram “identificação”, trazem “vivências” próximas e “representatividade”. Como escreveu uma aluna: “lendo Conceição Evaristo me sinto ouvida, contada, vista”.

Em termos de forma, os estudantes preferem “textos simples que conseguem tratar de problemas complexos”, como concluiu o time Laranja. Querem escrita fluida clara, leve, vívida, original, compreensível, coesa, direta, sistematizada, de fácil entendimento, “sem perder a profundidade teórica”.

Falando assim parece tão simples. Só que não é! Haja revisão.

E chegamos aos “haters”. Pierre Bourdieu ganhou de lavada a corrida dos mais detestados, ainda que tenha tido um fã. Foi seguido por outros como Hegel, Durkheim e Gilberto Freyre — este associado ao racismo.

A turma foi direta na descrição do que desgosta: autores pedantes que escrevem textos pretenciosos, rebuscados, enigmáticos, enrolados, truncados, pesados, artificiais. São difíceis de entender e, por isso, dificultam a concentração na leitura. Além do racismo, a literatura acadêmica foi relacionada ao “academicismo”, “descritivismo” e “formalismo”. Um estudante resumiu bem: não gosta de textos que ficam “dando voltas e não dizem o que querem dizer”. Errado não está, né?

Confesso que até tentei defender Bourdieu, mas lembrei da época dos meus estudos para o mestrado em que chamei um amigo francófilo para me ajudar a lê-lo. Era um artigo publicado no auge da sua fase rebuscada. Meu professor olhou praquilo e disse: “isso não está em francês não!” Se ele que dominava a língua não estava entendendo nada, que chance eu teria? Deixei pra lá e rezei. (Deu certo.) Anos depois descobri que havia outros “bourdieus” e, embora não seja fã, consegui entender suas ideias.

Voltando ao assunto: concordo com tudo que a turma diagnosticou! Por isso nossos livros-chave para o Laboratório de redação são “Truques da escrita” de Howard S. Becker, “Quarto de despejo”, de Carolina de Jesus e “Cartas a uma negra” de Françoise Ega. A explicação para esse trio fica para um próximo post!

Boas aulas, pessoas queridas!

PS: Qual o objetivo disso tudo? Ao longo do semestre, essa aula consolida os critérios dos próprios alunos para revisão dos textos deles mesmos. Na prática, eles se dão conta de que precisam revisar muito para atingir os seus ideais de escrever bem.

Projeto “Como escrever um texto em 8 meses” — Conforme prometi no Instagram, vou escrever sobre o processo de produzir um texto acadêmico que preciso entregar daqui a 8 meses. Tem que ser algo inédito e decente. Começo esse diário de escrita com meu problema inaugural: sobre o quê devo escrever? Sou eu que decido o tema. Já consultei filhos, colegas, estantes e ainda não sei. Resolvi seguir a máxima que o Ju tanto gostava: escrever para saber o que eu gostaria de escrever se estivesse escrevendo! (Foi mais ou menos o que disse Marguerite Duras, H. Becker, Anne Lamott e um monte de gente que escreve sobre escrita.) Vou tentar seguir a ideia de escrever 300 palavras por dia, conforme disse que fazia no post Escrita Diária. (Às vezes me pergunto quem era essa Karina de 2017?) Prometo que volto semana que vem para contar.

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Esse post é continuação da Parte 1. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Apenas inverti a ilustração do post Parte 1 (a explicação está lá). Aproveito para contar que era assim que Leonardo Da Vinci (1452-1519) escrevia em seus cadernos. Os alunos acharam que eu estava brincando, mas é verdade, como explica esse simpático blog.

Você acabou de ler “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 2)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40VAcesso em [dd/mm/aaaa].


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Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)

Para animar, resolvi adaptar uma antiga aula lúdica para começar bem o semestre com minha turma de Laboratório de redação. Como na aula “brincando de pesquisar”, o objetivo era conhecer os alunos. Dessa vez, porém, foquei nas suas experiências com leituras e escritas, antes e depois da faculdade.

Material necessário: Algumas folhas coloridas em quatro cores diferentes. Comprei um pacotinho de A4 na loja Caçula da Rua Buenos Aires, perto do IFCS. Algo parecido com esse aqui.

Dinâmica: Como foi feita a aula:

Avisos — As respostas são anônimas; não é para nota; não tem certo ou errado; conta como participação. Pedir que tentem ser bem específicos nas respostas.

Preparação — Pedir para alguns alunos ajudarem a cortar o papel A4 papel em 8 pedaços, até que todos da turma tenham um pedaço de papel de cada cor.

Quadro — Escrever as cores e as perguntas no quadro (ver abaixo).

Alunos — Pedi que os alunos respondessem nos pedaços de papel colorido. Cada papel recebe duas respostas: positivas + e negativas -. Alguns alunos responderam no mesmo lado; outros escreveram mais e utilizaram frente e verso. Não importa. Não é necessário copiar as perguntas.

Amarelo — Qual é a sua lembrança de escrita mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Rosa — Qual é a sua memória de leitura mais positiva antes de entrar na faculdade? E a mais negativa?

Verde — Como foi sua experiência de escrita mais positiva durante a faculdade? E a mais negativa?

Laranja — Qual a sua experiência de leitura mais positiva durante a faculdade? (De quais autores você é fã e por que?) E a mais negativa? (De quais autores você é “hater” e por que?)

Pote para depositar a resposta — Por conta de outras dinâmicas, tenho uma caixa preta com um buraco no meio que utilizei para ir coletando os papéis com as respostas.

Organização por cores e grupos —Todas as respostas coletadas foram misturadas na caixa. Em seguida, colocamos o monte de papéis no chão e separamos por cores. Dividimos a turma em quatro grupos e cada um ficou com uma cor. Eles acabaram chamando os grupos de “times”. Ficamos com aproximadamente 8 alunos por time/cor. Nesse momento é importante que eles movimentem as cadeiras para sentarem-se juntos de seus grupos.

Debate intra-grupos — Cada grupo leu todos os papéis da sua cor e fez uma análise qualitativa das respostas positivas e negativas. Depois, cada aluno do grupo escolheu uma resposta significativa da sua cor para ler em voz alta.

Exposição e debate com a turma — Organizamos as cadeiras em círculo para que a turma toda pudesse se escutar, mantendo os integrantes de cada time próximos uns dos outros. O resultado da análise de cada cor foi apresentado para a turma por um aluno escolhido pelo grupo, sendo essa explicação depois embasada com as leituras das respostas escolhidas para serem lidas. Seguimos a ordem dos grupos acima: amarelo, rosa, verde e laranja.

Análise das respostas

Time Amarelo — Minha lembrança mais positiva de escrita foi… Exemplos: “quando escrevi meu nome pela primeira vez na escola”; “quando escrevi meu nome ensinada por minha irmã”; “quando fiquei entre os melhores em um concurso de redação”; “quando escrevia crônicas em um projeto extracurricular”; “quando fiquei fascinada pela caligrafia da professora”; “minha primeira carta ao Papai Noel”; “quando aprendi inglês com minha mãe”; “quando escrevi meu primeiro poema de amor”; “quando escrevia cartas para meus primos”; “quando me sentia livre para escrever em meu diário”; e “quando utilizava materiais novos comprados pela minha mãe”… A mais engraçada foi “a primeira palavra que escrevi foi OVO”. 😀 Uma resposta comovente dizia que “na turma de alfabetização, quando todos liam as sílabas em conjunto, sentia um sentimento de comunhão”.

Foi emocionante ter acesso às memórias afetivas relacionadas a escrever, revitalizando a ideia de que essa já foi uma prática prazerosa para eles.

Se as lembranças positivas são diversas e específicas, as negativas relacionam-se a experiências de avaliações ruins. Ser julgado traz medo e insegurança: notas baixas ou “vermelhas”, letras “feias”, erros bobos, falhas de ortografia, comparação com colegas, desespero na redação do Enem, pressão dos pais.

Time Rosa — As memórias de leituras positivas antes de entrar na faculdade trouxeram autores como Machado de Assis, Drummond, Érico Veríssimo, Guimarães Rosa, Lygia Fagundes Telles, Jorge Amado, Carolina de Jesus, Fernando Pessoa, Victor Hugo, Salinger, Saramago… Os alunos mencionaram romances, suspenses, biografias, clássicos, escritas feministas ou Lgbt, quadrinhos, ficção mágica, não-ficcção histórica, poesia. A resposta mais aplaudida foi: “Ler meu nome na lista de aprovados de um exame”. E uma das mais tocantes foi a da estudante que lembrou do pai lhe ensinando o poema “E agora José?” de Carlos Drummond de Andrade.

As leituras mais lembradas como negativas eram livros específicos (tipo, não gostei de “O mago”) e aquelas feitas por obrigação, como manuais, livros famosos (tipo “O pequeno príncipe”) ou clássicos indicados pela escola. Foi interessante um estudante que mencionou ter odiado Machado de Assis no ensino fundamental e, do outro lado do papel, escrever que depois este se tornou seu escritor preferido. Como na pergunta anterior, aqui também apareceu o trauma gerado por métodos de disciplina rígidos e ríspidos.

(Tá muito grande, então, continua na Parte 2! Spoiler: a análise do time laranja foi a mais importante, por isso o post se chama Fã ou Hater)

Sobre a proposta das aulas lúdicas: Dizem por aí que toda antropóloga é uma fofoqueira profissional. Assumo o título! Já escrevi que virei fotógrafa, jornalista, pesquisadora, professora e desenhista porque gosto de gente. Amo detalhes, nomes, histórias, gostos e desgostos. Além do mais, como professora, tenho um semestre pela frente, com o desafio de sair viva no final. Espero contagiar meus alunos nessa disciplina, já que são eles os professores do futuro. Mais ideias de aulas lúdicas aqui.

Sobre a ilustração: Fotografei quatro pedacinhos do exercício com o celular e editei no Photoshop para ficar neste formato. O scanner não conseguiu pegar as cores fosforecentes dos papéis. Então utilizei o app CamScanner para capturar as imagens. Dá para utilizar na versão gratuita e é útil para transformar qualquer pedaço de papel em documento legível. Inclusive transforma foto em texto.

Você acabou de ler “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 

Como citar: Kuschnir, Karina. 2023. “Laboratório de escrita – Fã ou Hater – Ideia para aula lúdica (6 – Parte 1)“, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-40h. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Mensagem fotográfica – Ideia para aula lúdica (3)

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Post útil, pra variar, pessoal! Quem não está cansado de ministrar (ou assistir) aulas burocráticas sobre textos, autores e correntes de pensamento? Eu fico, muito! Para fugir um pouquinho da rotina, gosto de pensar em ideias para começar a aula de forma mais lúdica, já que nem sempre dá para fazer uma atividade longa (como já registrei aqui e aqui). Essas aberturas são uma espécie de aquecimento para entrar nos temas centrais, ajudando a “acordar” os alunos e a mim mesma. São super úteis naquelas aulas de tempos de mais de 3 horas e buscam um dos meus principais objetivos como professora: fortalecer a autonomia e a criatividade de pensamento dos próprios alunos.

Segue abaixo uma dinâmica que fiz nesse primeiro semestre de 2017, com uma turma de laboratório audiovisual. Espero que inspire os colegas de todos os níveis de ensino. Nosso trabalho é desgastante, sofrido… mas, por algum mistério, torna-se uma experiência maravilhosa quando ativamos uma energia positiva de trocas e descobertas.

Análise de fotografias dos alunos

Uma semana antes, solicitei que os alunos trouxessem para a aula seguinte uma fotografia tirada por eles (podia ser com celular) impressa em uma folha A4 (retrato ou paisagem) em preto e branco. Pedi que não identificassem nem mostrassem aos colegas. No dia da aula, recolhi as imagens e redistribui 3 ou 4 delas por grupos  (de 3 ou 4 alunos), variando os tipos de conteúdos e evitando que o grupo recebesse fotos de sua autoria.

Expliquei que não havia “certo ou errado” e que o conteúdo não era para nota. (Às vezes, atribuo uma nota de participação, mas acho importante não avaliar as interpretações para que eles se sintam confiantes em falar e pensar por conta própria.) Em seguida, pedi que analisassem as imagens livremente. Fui passando de grupo em grupo, escutando os debates, fazendo algumas perguntas para instigá-los, provocando comparações. Após vinte minutos, solicitei que cada grupo apresentasse os pontos principais discutidos. À medida que falavam, fui anotando no quadro.

O resultado é que eles próprios deram uma aula: tiraram conclusões, complementaram-se uns aos outros, fizeram pontes entre as observações e as imagens, encontraram perguntas novas. Parecia que tinham estudado profundamente o Roland Barthes, autor que usei para preparar o conteúdo e as imagens da segunda parte da aula (tendo como referência principal o texto “A mensagem fotográfica”). Por sorte, nesse dia, eu estava numa sala com quadro-negro à moda antiga, com giz e tudo. Aí vai uma foto dos temas levantados pela turma:

azul quadro.jpg

Quadro/foto Karina Kuschnir – IFCS 2017

Já fiz uma variante dessa dinâmica projetando as fotos dos alunos com datashow. Nesse caso, é preciso pedir as imagens por e-mail antes. Há vantagens (todos veem bem o material discutido), mas também desvantagens, pois demora muito, não dá para analisar as fotos de todos e não promove o diálogo mais aprofundado intra-grupos.

A opção por imprimir as fotografias em P&B e em tamanho A4 acabou sendo bem interessante. Eles se surpreenderam, enxergaram com novos olhos e valorizaram a ausência de cor como algo que permitiu que comparassem melhor e vissem mais elementos nas fotos do que julgavam presentes. Disseram que a “cor distrai” o olhar… Taí uma conclusão que o historiador Michel Pastoureau e tantos fotógrafos e cineastas concordariam!

Outro dia perguntei para uma turma o que eles acharam de um desses exercícios e fiquei feliz com a avaliação bem positiva. Assim como vocês, também tenho um diabinho no meu ombro sussurrando que “professor bom é aquele erudito, que entope os alunos de conteúdo”. Mesmo sabendo que as pesquisas pedagógicas já provaram que aprendizado precisa de afeto e envolvimento, a gente insiste com esse mito de achar que uma aula vai “ensinar” alguém. Podemos informar, inspirar, estimular, apoiar, instigar, semear ideias? Sim, acho que sim. Mas só vai aprender quem estiver aberto pra isso, para se afetar, se envolver, escutar, retrucar, pensar.

Comecei esse post com a ideia de escrever sobre várias pequenas aulas desse tipo que tenho experimentado em 2017, mas essa primeira acabou tomando o post todo! Então, prometo que volto ao formato se vocês tiverem interesse.

 

Esse é o terceiro post de uma série sobre aulas lúdicas:

E talvez vocês gostem de outros posts com a tag mundo acadêmico.

5 Felicidades-possíveis-das-últimas-semanas:

* A tristeza e as saudades do Ulisses foram aplacadas pelo apoio carinhoso que chegou nos comentários, e-mails e mensagens de vocês. Muito, muito obrigada. Está difícil demais viver sem nosso furacãozinho de pelo, mas estamos lambendo as feridas e cuidando dos que ficaram. Como vários disseram, ele viajou, virou livro, viveu intensamente, e isso é motivo para celebrar.

* Quando você vai numa missa de sétimo dia e, ao invés de apenas cumprir um dever social, se vê emocionada com as homenagens a uma vida rica, amorosa, delicada, frutífera. Lembrei das despedidas à minha avó, chorei à vontade, voltei mais sábia de ônibus.

* Chegar no trabalho e encontrar bilhetinho e presente feito-em-casa de um ex-aluno querido… ♥ ♥ ♥  Só tenho a agradecer e me desculpar. Estou em falta com ele e com tanta gente por conta dos meus problemas na retina. O pior já passou. Agora, o único inconveniente é que, toda vez que vou ao oftalmologista, pingam colírios de dilatação que me deixam sem enxergar direito. A outra sequela é que o olho direito (onde a rutura foi mais grave) não voltou ao normal, de modo que estou desanimada para desenhar e pintar. Mas vai passar.

* Desligando das redes sociais: desde o calendário de abril, estou sem repassar o blog para as redes sociais (Facebook e Instagram). Não desativei meus perfis lá; só deixei de usar. É uma experiência — não sei por quanto tempo –, mas estou gostando. Para completar o ciclo, nesse final-de-semana, cancelei as notificações do Whatsapp e tirei o ícone da tela principal do meu celular. A tentativa é retomar o meu tempo, escolher quando quero olhar as mensagens, ao invés de ser dragada por elas a qualquer segundo. Em relação às crianças, combinei que elas precisam me telefonar (!) em situações realmente importantes. A ideia é diminuir os estímulos do cérebro com micro-conteúdos e alongar os momentos de concentração. Podem deixar que vou contando aqui se continuo firme na experiência.

* Um dos incentivos para pensar sobre tudo isso veio desse post, sincero e engraçado da Val, autora do blog “Uma pedra no caminho”. Val, escrevi uma mensagem de parabéns pelo texto e pelo aniversário do seu blog, que acabou apagada naquele vácuo-sugador que são as páginas de login de comentários no celular. Era para te dizer que seu post me fez rir e me fez pensar também. O que eu quero, para onde vou, qual o valor das horas que dedicamos aos nossos blogs? Pra mim, o projeto nunca foi ter renda ou seguidores, mas também não ousaria dizer que sou imune ao efeito dos likes. Por isso, nada mais libertador do que simplesmente se livrar deles!

Sobre o desenho: Desenho feito por mim, em 2004, a partir da observação de uma fotografia de William Klein (NY, 1954), impressa em papel A4, dobrada, disposta na horizontal com um lápis de coração jogado por cima. Feito em grafite sobre papel Canson. O exercício foi proposto por um professor de desenho de observação da PUC-Rio, onde assisti a algumas aulas na época em que eu era professora lá, no Departamento de Comunicação.

Você acabou de ler “Mensagem fotográfica — Ideia para aula lúdica (3)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2017. “Mensagem fotográfica – Ideia para aula lúdica (3)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/p42zgF-1Kf. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Brincando de pesquisar – Ideia para aula lúdica

paletatorta

Como prometi, hoje vou explicar a brincadeira que fiz com a turma de Antropologia II logo na primeira semana do semestre. Acho que o exercício vale para ensino médio, graduação ou até pós, por que não? Resolvi postar aqui no formato de “plano de aula”. Assim, fica mais fácil para quem quiser experimentar com seus alunos. Depois me contem!

Objetivos da aula:

. Compreender que os indivíduos são diferentes e levam essas diferenças consigo, para além das diferenças nos seus aspectos visuais, que impactam no nosso primeiro contato.

. Compreender que os indivíduos são semelhantes dentro de certas condições sociais; e isso fica claro quando os comparamos sob certos critérios.

. Compreender que precisamos levar em conta essas duas dimensões (acima) para conhecermos a nós mesmos e aos outros.

. Uma pesquisa deve gerar conhecimento e nos transformar. O papel começa em branco, mas deve ser preenchido por algum conteúdo. Precisamos aprender algo a partir de uma pesquisa.

. Uma pesquisa pode ser divertida e interessante; pode ser vivida como um enigma, um quebra-cabeça que desvendamos.

. Fortalecer a autonomia: mostrar que podemos e devemos pensar a partir dos nossos dados, classificá-los e interpretá-los.

Material necessário:

. Canetas para quadro branco

. Papeis A4 para cortar em 6 (É melhor o professor levar 1 folha para cada aluno)

. 6 pedaços de papel com números grandes de 1 a 6 para classificar as respostas sobre uma mesa

Dinâmica – Como foi feita a aula:

Avisar que: As respostas são anônimas; não é para nota; não tem resposta certa ou errada; conta como participação. Pedir que tentem ser bem específicos na resposta.

Preparação: Pedir para os alunos cortarem o papel em 6 pedaços e numerar. (Desenhei um papel com divisão em 6 no quadro)

Quadro: Escrevi as perguntas abaixo no quadro.

Alunos escrevendo: Pedi que os alunos respondessem nos pedaços de papel numerados (cada papel recebeu duas respostas, por ex., 1a. e 1b.), dando aproximadamente 1 minuto para resposta (sem precisar copiar as perguntas).

1) Desde que me entendo por gente, tenho…
a. dificuldade com..
b. facilidade com…

2) Na minha vida…
a. a maior tragédia é…
b. o maior privilégio é…

3) Meu traço mais marcante para…
a. os outros é…
b. para mim é…

4) Hoje em dia…
a. meu maior medo é…
b. minha maior coragem é…

5) Se eu pudesse, gostaria de…
a. aprender a…
b. viajar para …

6) O que me faz…
a. mais feliz é…
b. mais infeliz é…

Após as respostas:

. Cada aluno colocou suas respostas na mesa de acordo com o número correspondente. Ou seja, ficamos com pilhas de respostas 1, 2, 3 etc.

. Cinco alunos voluntários vieram, um de cada vez, ler 6 respostas aleatórias, uma para cada número, formando assim um  “personagem”. Foi emocionante, engraçado, estranho, surpreendente, interessante! Em muitos casos, percebemos repetições/padrões, mas também diferenças, distâncias e individualidades.

. Pedi para eles escolherem um número para eu ler todas as respostas. Eles escolheram o número 6 (Feliz/Infeliz). Achei bem significativo, pois foi nesse item que apareceram algumas imagens mais subjetivas. Li as respostas para a pergunta 6B (motivos de Infelicidade) e fui dividindo em dois grupos (em quantidades quase iguais). Perguntei: “Com qual critério eu dividi essas respostas?”. Eles responderam corretamente que foi “infelicidade social” (por ex. desigualdade social) ou “infelicidade individual” (por ex. terminar um romance). Peguei o grupo “social” e li as respostas da questão 6A (motivos de Felicidade). Muitos papéis foram parar na pilha “individual” nessa questão. Ao final, restaram apenas 4 papéis na resposta 6A do tipo “social”! A turma foi me ajudando a interpretar as respostas binariamente, mas acabamos decidindo criar uma categoria meio-termo para respostas com a palavra Arte e Amor em geral. O restante ficou no grupo “individual”. Todo o processo gerou bastante diversão geral, e também um material para debater sobre diferenças, semelhanças e possibilidades de classificação, como era o objetivo da aula desde o início.

. Fui ao quadro novamente e tentamos classificar as perguntas (da 6ª para 1ª) em tipos de informação. Com a ajuda dos alunos, decidimos que cada dupla de perguntas correspondeu aos seguintes recortes mais gerais: 1-Aptidão/Personalidade; 2-Realidade/Sociedade; 3-Personalidade/Identidade; 4-O que nos move/Atitude; 5-Desejos/Sonhos/Futuro; 6-Gostos/Sentimentos/Aspectos sociais vs. psicológicos. (Os termos são deles!)

. Fiz uma observação de que não coloquei nenhuma pergunta relacionada a aspectos visuais das pessoas de propósito, para não criar constrangimentos (por ex. risos da turma diante de alguma resposta), mas que eles precisariam ser levados em conta também. Expliquei que as perguntas foram apenas pretextos para mostrar como é interessante conhecer as pessoas e seus projetos… Falei da importância de sairmos do piloto automático (na vida e no pensamento) para podermos aprender e gerar conhecimento.

Nossa avaliação:

. A turma riu em vários momentos (de leituras das respostas, especialmente). Achei que criamos um ambiente de atenção, respeitoso e divertido, bem favorável à proposta. Notei um sinal positivo nos tempos de hoje: ninguém saiu mais cedo ou pareceu estar no celular!

. Fiquei com vontade de reproduzir aqui um monte de respostas legais, mas o post ficaria ainda mais enorme… Se ficaram curiosos, façam a experiência e vejam o que acontece.

. A monitora Aimée Weiss fez uma avaliação por escrito que me deixou muito feliz (obrigada, Aimée!). Um trechinho para vocês:

“O exercício foi bastante interessante justamente pela necessidade de autoanálise dos alunos em relação a sentimentos, personalidade, isto é, aspectos interiores, não externos, e que, por isso, precisam de maior reflexão para serem constatados. Não se trata de características dadas, evidentes/visíveis, mas sim que, para percebemos, faz-se necessário olhar e observar a nossa vivência pessoal. Foi muito interessante perceber a grande quantidade de pessoas que se diziam tímidas ou com dificuldades de contato social. Acho que as tarefas desenvolvidas durante a aula incentivam uma participação e construção coletivas. Este aspecto, juntamente com o exercício de etnografia, será muito importante como desafio para essas pessoas, de maneira a sair de suas zonas de conforto para se comunicar. Ao mesmo tempo, os alunos mais extrovertidos vão precisar de mais cautela para a atividade de observação, contemplação, sem necessariamente recorrer à imediata comunicação verbal. […] A atividade também comprovou a importância da nossa autonomia, da colocação das nossas impressões e observações para alcançarmos conclusões numa pesquisa. Mostrou também aos alunos que qualquer tema pode ser usado para pesquisa, desde que demonstremos que temos algo a conseguir captar, uma descoberta a fazer. […]  Pude observar um grande interesse e concentração dos alunos com a atividade, justamente por ela sair do padrão acadêmico. Esses exercícios tornam a aula muito mais leve, prazerosa e divertida. Também notei que eles não ficaram vidrados no celular. :-)”

Esse é o primeiro post de uma série sobre aulas lúdicas:

E talvez vocês gostem de outros posts com a tag mundo acadêmico.

Para quem se interessa pelo tema: o blog tem posts sobre o tempo pra fazer a tese – parte 1 e parte 2como explicar sua tese, dicas para aproveitar a defesa de doutorado e outros textos sobre minhas experiência na importância de escutar, nos truques da escrita, na elaboração de uma carta para a seleção de mestrado, na escrita de projetos, nas defesas de tese, nas dores de não passar, na falta de tempo, no ensino de antropologia e desenho, no aprender adesescrever, nas agruras de ser doutoranda, na vida dos alunos, no sorriso do professor, nas lições da vida acadêmica, na importância de não ser perfeito e nas muitas saudades de Oxford 1, 2, 3 e 4!

7 Coisas impossivelmente-legais-bonitas-interessantes-divertidas-ou-dignas-de-nota da semana passada:

. Agruras de hospital: caí na mão de um técnico de enfermagem que mais pareceria um carcereiro! Ele me examinou (39,3 graus de febre, pressão baixa, desidratada) e, ao invés de ajudar, começou a me dar bronca: “bota a máscara porque tá dando muito H1N1” (a máscara me sufocando), “por que você não tomou remédio pra febre?” (eu tomei, moço); e depois de me furar várias vezes, ele não desistia: “a culpa é da sua veia que não tá aparecendo”! Ainda bem que minha sobrinha surgiu com a Wilma (outra técnica de enfermagem) e me salvou!

. Alice se recuperou das contusões e está apaixonada por tocar Lisbela no violão. Sei que elogio de mãe não vale, mas está lindinha demais! Pena que essa semana foi a vez dela ficar resfriada…

. Começamos maio com um plano familiar bem modesto: ler uma página de “Viagem ao centro da terra”, de Julio Verne, todos os dias. É o mesmo exemplar que li quando tinha a idade deles.

. Antônio, apesar da exaustão do ensino médio, está pintando e desenhando muito!

. Descoberta culinária da semana, nessa vida pós-açúcar: nibs de cacau orgânico. Uma delícia pra jogar em cima de qualquer fruta! Tem em qualquer loja de produtos naturais.

. Assisti a palestra TED “Uma história visual do conhecimento humano“, do pesquisador Manuel Lima. Além do conteúdo lindo e interessante, olha a coincidência: ao mandar o link para um amigo querido, ele me responde que tem o livro do autor sobre o tema! Peguei emprestado, claro. 🙂

. E outra palestra TED, essa para se divertir, sobre procrastinação, com o Tim Urban.

Sobre o desenho: Paleta de cores que fiz em 2015, no início do meu curso de aquarela no Atelier Chiaroscuro, da professora Chiara Bozzetti. Achei que dava uma boa ilustração para essa aula em que produzimos um monte de papeizinhos. As manchas foram feitas a partir das três cores primárias (as primeiras à esquerda) com todas as outras cores da minha paleta na época. É sempre um exercício válido. Recomendo!

Você acabou de ler “Brincando de pesquisar – Ideia para aula lúdica“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2016. “Brincando de pesquisar – Ideia para aula lúdica”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/p42zgF-lx . Acesso em [dd/mm/aaaa].