Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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39 exercícios de antropologia e desenho num livro só – Drawn to see de Andrew Causey

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Taí um livro perfeito para quem ama antropologia e desenho — ou só antropologia ou só desenho! Há tempos quero compartilhar com vocês a leitura dessa obra adorável, mas estava aguardando a publicação oficial de uma resenha que escrevi para a Mana. Agora saiu — cliquem aqui para acessar ou leiam abaixo!

Vale a pena também acessar o sumário completo da revista, com vários artigos e resenhas interessantes. Agradeço à editora deste número, Renata Menezes, pelo acolhimento da proposta, assim como à revisora que contribuiu para melhorar o texto.

Queria registrar também um agradecimento especial a Andrew Causey por esse livro tão bonito e generoso! Sinto-me honradíssima de ver meu trabalho citado em seus comentários (e na bibliografia) como uma das raras iniciativas de ensinar antropólogos a desenhar. Além de motivar meus alunos em sala de aula,  meu objetivo acadêmico é espalhar ideias e incentivar outras pessoas, onde quer que elas estejam, a tentar algo novo e criativo para produzir e compartilhar conhecimento.

Assim que terminei a leitura, fiquei sonhando com uma editora brasileira que pudesse traduzir e publicar essa pequena joia da antropologia contemporânea. Se conhecerem alguém, compartilhem a resenha e destaquem esse parágrafo:

O livro tem impacto muito maior do que seu objetivo declarado de “ensinar o desenho linear, como uma das opções para coletar, registrar, documentar e apresentar a informação etnográfica”. Tínhamos até o momento bons livros de ensino de desenho, de um lado; e bons livros de antropologia, do outro. (…) Mas esta é a primeira obra de fôlego a enfrentar de forma densa — tanto teórica quanto empírica — a maneira de unir o melhor dos dois mundos.

Para quem está acostumado a me ler apenas no blog, não estranhem o tom um pouquinho mais formal. De vez em quando também preciso alimentar meu Lattes… 😉 Obrigada desde já pela leitura!

Kuschnir, Karina. (2018). Resenha de CAUSEY, Andrew. 2017. Drawn to See. Drawing as an Ethnographic Method. Mana, 24(1), 271-275. https://dx.doi.org/10.1590/1678-49442018v24n1p271

Numa época de desconstruções e desalentos, Andrew Causey nos oferece uma dádiva. Drawn to See: Drawing as an Ethnographic Method é precioso para quem quer continuar acreditando que a antropologia é possível sem abdicar de uma postura crítica, reflexiva e renovadora. A obra enfrenta com seriedade os problemas teóricos do projeto etnográfico, e propõe soluções metodológicas amparadas em situações vividas no trabalho de campo do autor ou dos autores citados na excelente bibliografia. Textos e ilustrações formam um conjunto de leitura extremamente agradável. Trata-se de um caso raro de obra que consegue refletir, experimentar, demonstrar, propor sem deixar de apontar lacunas e nos fazer sorrir pelo caminho.

Drawn to See é teórico-metodológico, mas também é memorialista e pessoal — um diário escrito e gráfico do autor sobre sua trajetória como etnógrafo. Seu valor está nessas múltiplas camadas narrativas, nas quais vida, pesquisa e obra surgem imbricadas numa saudável antropologia. A etnografia é entendida não apenas como produção de conhecimento, mas de relações, afetos, sensações, visualidades, compartilhamentos, respeito e comunicação. O aprendizado do desenho é central, mas ao mesmo tempo secundário ao objetivo de nos ajudar a ver o mundo (visível e invisível) de modo mais aprofundado, focado e ativo, numa busca por conciliar observação e participação — dois pilares da metodologia antropológica.

O livro divide-se em sete capítulos, pelos quais se espalham 72 ilustrações. Além do debate sobre antropologia, imagem e pesquisa, a obra tem como eixo central ensinar antropólogos a desenhar. Causey inclui 39 exercícios, que chama de “Etudes” (Estudos), palavra que remete às partituras feitas para se aperfeiçoarem as técnicas e as habilidades dos músicos. Seu objetivo não é formar artistas, mas sim estimular o uso do desenho linear como modo de contribuir para a pesquisa de campo. Os materiais sugeridos são simples. Lápis, papel comum, canetinha de ponta porosa e guardanapos são as únicas coisas necessárias para realizar as propostas. Adiantando-se às possíveis resistências de seus leitores acadêmicos, o autor propõe uma lista das predisposições necessárias para começar: relaxar, focar (sentir), concentrar, desacelerar, aceitar (sem avaliações, sem notas, sem comparações), se interessar (ter curiosidade), desenhar o que se vê, desprender-se do ego, praticar.

Como se percebe ao longo da leitura, tais conselhos são fruto das experiências do autor ao longo de sua trajetória como artista e antropólogo. Hoje professor de Antropologia Cultural do Columbia College de Chicago, Causey fez mestrado e doutorado na Universidade do Texas, Austin, local cuja tradição ajuda a compreender sua crença no projeto etnográfico, felizmente, sem deixar de enfrentar seus paradoxos e dificuldades. Sua pesquisa de campo se deu entre os Toba Batak, em Samosir, ilha vulcânica localizada no interior do Lago Toba, ao norte de Sumatra, Indonésia. Um lugar incrível (experimentem digitar Samosir Island nas imagens do Google) que atrai turistas do mundo inteiro, situação que acabou sendo o foco da pesquisa de Causey, em 1994-1995, com um retorno em 2012. O etnógrafo tornou-se aprendiz de Partoho, artista local, escultor em madeira, que, junto com sua esposa Ito, foi seu principal interlocutor no campo.

A leitura permite acompanharmos a ressignificação do uso do desenho na antropologia desde os anos 1990, quando a pesquisa inicial foi feita, e os anos 2015-2017, quando o livro é encomendado, escrito e publicado. Na época em que terminou o doutorado, Causey chegou a expor no campus da universidade seus desenhos e pinturas feitos durante a etnografia. As imagens que retratavam pessoas, no entanto, tiveram de ser retiradas do local, sob o argumento de que não eram sérias o suficiente e poderiam mostrar-se ofensivas à população estudada. Naquela altura, pouco se discutia a possibilidade de se utilizarem os registros gráficos (croquis, esboços, desenhos, aquarelas, pinturas) como parte do conceito de antropologia visual, então voltada para o uso da fotografia e do filme.

Um dos grandes méritos de Drawn to See é contribuir para a ampliação e a consolidação da ideia, cada vez mais fortalecida na literatura recente, de que a imagem desenhada pode — e deve — voltar a assumir mais protagonismo no empreendimento etnográfico. O livro tem impacto muito maior do que seu objetivo declarado de “ensinar o desenho linear, como uma das opções para coletar, registrar, documentar e apresentar a informação etnográfica” (:3, tradução minha). Tínhamos até o momento bons livros de ensino de desenho, de um lado; e bons livros de antropologia, do outro. Existem bons artigos sendo publicados sobre a relação entre as áreas, sem dúvida. Mas esta é a primeira obra de fôlego a enfrentar de forma densa — tanto teórica quanto empírica — a maneira de unir o melhor dos dois mundos.

Na esfera do desenho, os 39 Estudos propostos são claros e acessíveis. O objetivo do autor é que sejam experimentados por todos. Nesse sentido, parece-me acertada a escolha do desenho linear como eixo dos exercícios, uma vez que é a linguagem de produção gráfica mais próxima do universo de pessoas alfabetizadas. Uma das propostas inovadoras e interessantes de Causey é a utilização de formas essenciais baseadas em números e letras. A ideia de recorrer a elementos primários (pontos, retas e curvas) para elaborar figuras complexas não é nova, mas o apoio em formas numéricas e alfabéticas é uma bem-vinda criação do autor. Junto com as chaves de percepção dos Estudos 1 e 2, as propostas 3 e 4 formam um conjunto simples mas bastante eficaz para se desenvolver a habilidade de enxergar pelo desenho.

Nos 35 Estudos seguintes, Causey alterna sugestões mais relaxadas com outras mais elaboradas, numa coleção estimulante e divertida, mas também reflexiva e cuidadosa. Os exercícios têm um bom destaque gráfico no livro, pois estão impressos em fundo cinza, com ilustrações acompanhando a explicação textual. A série e todas as 72 imagens da obra estão numeradas de forma clara e contêm a duração aproximada de sua realização. O tempo estimado da grande maioria dos Etudes (33 em 39) é inferior a 10 minutos; apenas dois levariam de 10 a 15 minutos; e quatro não têm um intervalo definido. A curta duração é atraente para os novatos e estratégica para provar, mesmo aos mais céticos, que não é preciso 10 mil horas de prática para produzir desenhos etnograficamente relevantes. A ideia é pavimentar um caminho para ver, enxergar, perceber, como enfatiza o título do livro.

Pelo lado da antropologia, Drawn to see aborda questões complexas com a mesma clareza com que apresenta os exercícios visuais. Como destaquei acima, Causey enfrenta a problemática da dupla tarefa de “observar” e “participar”, assim como inúmeras questões associadas ao projeto etnográfico. Da necessidade de atenção, registro e memorização, passando pelo diálogo e pelas subjetividades de pesquisadores e interlocutores, o autor aborda problemas na produção de conhecimento antropológico, nas ideias de representação, temporalidade, movimento, memória, corporalidade, entre outras. E tudo isso alinhavado por um profundo comprometimento com a ética na etnografia, como mostram os vários exemplos que nos convidam a aprender com as dúvidas, as falhas e as dificuldades do próprio Causey em campo. Chama a atenção o tom equilibrado e sensato da linguagem do autor, demonstrando respeito, empatia e interesse pelo universo investigado, sem sinal da soberba, do paternalismo e da assertividade messiânica que infelizmente tanto frequentam a literatura antropológica.

Causey_pFigura 1: Desenho de Andrew Causey feito a partir de suas lembranças de campo. Na legenda original se lê: “Ito, debilitada pela artrite, senta em sua mesa de cozinha, de sua casa reconstruída, falando no celular sem parar com um de seus oito filhos. Ela me entrega o telefone sem me dizer com quem estou falando, dizendo: ‘Omong! Omonglah sama dia!’” (Imagem cedida pelo autor para esta resenha).

Esse mesmo senso ético pode ser observado na forma como o autor lida com sua rede de apoio intelectual e com a bibliografia consultada. Cada imagem, quando não de sua autoria, é publicada com aviso de permissão e referência ao/à autor/a ou fonte. As citações aos autores, aos artigos e às obras consultadas são claras e precisas, sempre com indicação das páginas correspondentes. O destaque de cada uma, no texto ou em notas, é compatível com sua relevância para o argumento em pauta. Muitos Estudos indicam as fontes que os inspiraram, sejam obras ou comunicações orais. A pesquisa bibliográfica é em si mesma um empreendimento notável do livro, pois traz um levantamento exaustivo, especialmente em língua inglesa. É consulta indispensável para todos os que se interessam pelo tema.

Entre as muitas qualidades de Drawn to See estão as histórias do trabalho de campo do autor. Atuando como aprendiz de Partoho, Causey percebe o quanto seus olhos não veem da mesma maneira. Ao copiar um desenho do mestre, é corrigido por registrar “errado”, num senso estético alheio aos Toba Batak. Divertimo-nos em vários momentos do livro com as críticas dos interlocutores às imagens do etnógrafo, ora por não perceber detalhes culturalmente relevantes, ora por representar de forma irônica, errada, distorcida ou fragmentada aquilo que lhes parecia correto, decente ou óbvio. Numa das ocasiões, algumas mulheres tomam o caderno do pesquisador e exigem que o retrato de uma delas seja refeito até ficar satisfatório.

A reação de Causey é animadora: desenhar é aceitar riscos; é gerar experiências memoráveis e revolucionárias; é pressupor que o pesquisador “não sabe o que não sabe”. As imagens são notas, documentos de campo que se dão a ver. Não é preciso se desculpar, mas sim aprender com os diálogos, as reações e as interpretações. Todo desenho etnográfico vale a pena, desde que seja uma criação ética, moral e intelectualmente responsável. Sob este aspecto, é tocante o caso de uma entrevista feita pelo etnógrafo com um veterano de guerra, viúvo, cuja fama social era a de arrogante e orgulhoso. Desse encontro, que reverte suas expectativas, o autor não faz registros gráficos ou textuais. Olha nos olhos, exercita sua visão periférica na penumbra, aceita a memorização e o silêncio como parte da experiência. Nem tudo, afinal, pode (ou deve) ser registrado.

Nos capítulos finais, Causey se pergunta como ultrapassar as superfícies, como trazer à tona as estruturas e as motivações que animam pessoas, coisas e animais. Suas respostas em textos e imagens são de uma rara beleza: revelam-se mais como perguntas do que soluções; são imperfeitas e tentativas; são portas que se abrem para dar sentido ao mundo — possibilidades dentro do impossível projeto etnográfico.

Sobre o livro: CAUSEY, Andrew. 2017. Drawn to See. Drawing as an Ethnographic Method. University of Toronto Press. Na época, o Andrew Causey me escreveu gentilmente avisando da publicação e dizendo que a editora iria me enviar um exemplar. Mas o volume provavelmente se extraviou no correio, pois nunca chegou, chuinf… Então corri para comprar na Amazon mesmo. Link aqui: http://a.co/8o3cwuf

Sobre o desenho: Fiz hoje essa capinha para ilustrar o post. Achei um bloco de papel de aquarela A5, da Cotman. Era um pouco texturado demais, daí minha dificuldade nas sombras… Desenhei um rápido rascunho a lápis, depois contornei com canetinha Pigma Micron de nanquim permanente 0.2 e fiz alguns detalhes com a 0.05. Pintei as cores da capa com várias aquarelas, depois fiz as partes cinza escuro com guache, assim como as letrinhas vermelhas e brancas. Para os rascunhos de Causey na capa, usei uma canetinha de naquim permanente Unipin bem velhinha, para dar esse ar de lápis grafite do original.

Você acabou de ler “39 exercícios de antropologia e desenho num livro só – Drawn to see de Andrew Causey“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! ☺

Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “39 exercícios de antropologia e desenho num livro só – Drawn to see de Andrew Causey”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3G6. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Doze dicas de cursos de desenho e aquarela que já fiz (presenciais e online)

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Aquarela feita por mim a partir de tutorial da Anna Mason

Um dos desafios de quem gosta de arte, desenho e aquarela é encontrar um bom curso. Como já passei por vários, resolvi fazer uma listinha de referências. Há muita coisa legal para experimentar, mesmo se você não se acha artista. É uma boa ideia também para curtir nas férias.

Cursos presenciais — Vou iniciar pelos cursos presenciais, pois são os mais legais e significativos para mim. Foi por onde comecei, onde fiz amigos que me incentivaram e onde encontrei professores e colegas que me ensinaram muito.

Aqui no Rio de Janeiro há poucas opções. Os lugares por onde passei (ou que conheço) são os seguintes:

Chiaroscuro Ateliê de Pintura — Fui aluna do curso de aquarela da professora Chiara Bozzetti por dois anos (2015-16), como já escrevi aqui e aqui. É o lugar que mais recomendo a todos que me pedem indicações de onde começar. Pretendo voltar em breve, pois é um ambiente maravilhoso, alegre, criativo, acolhedor, com professores habilidosos, técnicos e dedicados. Além disso, os preços são mega acessíveis, o que gera um ambiente de alunos diverso, com anos de convívio. A Chiara é de uma delicadeza incrível, com um modo de trabalhar baseado na confiança e na capacidade de estimular o que cada um tem de melhor. Além do site, o ateliê tem um Instagram super ativo.

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aquarela que fiz com ajuda da Chiara

Escola de Artes Visuais do Parque Lage – EAV — Entre 2008-2009, fiz aulas de modelo-vivo durante um ano com o professor Manoel Fernandes — um mestre e artista que me marcou muito! Infelizmente, ele não está mais na escola (voltou para São Paulo, sua terra natal). Tentei outros cursos na EAV, mas não deram certo. O lugar é maravilhoso, as opções de aulas são interessantes — só que agora estão bem caras. Comecei no Parque Lage porque o Antônio (meu filho) fez a escolinha de artes de lá por 4 anos, e todas as professoras são excelentes. Tenho um enorme carinho por elas!

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modelo-vivo, meu caderno na época da EAV-Parque Lage

Ilustração Botânica – Jardim Botânico do Rio de Janeiro — Frequentei um curso de aquarela de oito semanas, ministrado por Paulo Ormindo e Malena Barretto, dois mestres da ilustração botânica. O programa completo é bem mais longo, e vale muito a pena para quem quer seguir no caminho da ilustração científica. Além do acesso a dois artistas fantásticos, o Solar da Imperatriz é um local lindo e os preços, na época em que fiz, eram bem acessíveis. Nessa área, uma outra referência importante é a professora Maria Alice Rezende, com quem já tive algumas aulas avulsas. Gostei de ambas as experiências, mas percebi que não queria seguir na ilustração botânica.

Renato Alarcão — Existe também no Rio de Janeiro o ateliê do professor Renato Alarcão, com oficinas de aquarela, diários gráficos e outras. É um artista experiente e talentoso. Já fiz uma aula avulsa lá. Hoje em dia, sigo as páginas dele no Facebook, em especial a do Diário Gráfico, que tem links ótimos.

Nathalia Sá Cavalcante — Outra sugestão é acompanhar o trabalho da Nathalia Sá Cavalcante, ilustradora e professora de design da PUC-Rio. De vez em quando, ela oferece workshops de desenhos do cotidiano, além de promover oficinas ao ar livre, reunindo propostas e pessoas maravilhosas. Conheci a Nathália na EAV-Parque Lage e tenho uma gratidão imensa pelo incentivo que ela sempre me deu para desenhar. Fico super feliz de acompanhar o trabalho lindo que ela está fazendo atualmente.

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Oficina da Nathalia Sá Cavalcante no Parque do Martelo – Humaitá/RJ

Urban Sketchers Rio de Janeiro — Uma opção gratuita é participar do grupo Urban Sketchers Rio de Janeiro que organiza encontros mensais abertos. Não precisa ter nenhuma experiência. O espírito é acolhedor, com compartilhamento de dicas, cadernos e técnicas, que se estendem depois para conversas no Facebook. Pessoalmente, nunca participei do grupo no Rio (muito devido à minha avassaladora preguiça de final de semana!) mas quis deixar aqui a indicação.

Urban Sketchers – Encontros internacionais — Foram nesses eventos que minha visão de desenho, arte e aquarela realmente mudou! Se eu tivesse que eleger uma só dica, seria: participe de um encontro internacional dos Urban Sketchers! Tive a sorte de ir a quatro edições — 2011 (Lisboa), 2013 (Barcelona), 2014 (Parati), 2016 (Manchester) — sendo os dois primeiros como aluna e os dois últimos como palestrante. Em todos tive subsídios de custo devido a eventos acadêmicos paralelos (nos dois primeiros) ou por ter sido selecionada para falar. Como já contei em alguns posts (aqui, aqui e aqui) além de oficinas, demostrações e palestras, os Encontros USK criam um espaço mágico, onde tudo gira em torno de arte, com uma atmosfera super generosa de aprendizado coletivo. Mais do que produzir desenhos e pinturas em si, fiz grandes amizades, conheci projetos e artistas incríveis. Pela primeira vez, percebi que era possível existir um ambiente de criatividade franco, onde a maioria das pessoas não está nem aí para competitividade e egocentrismo.

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Desenho feito por mim no final do USK-Barcelona (2013)

Cursos online de desenho e aquarela — Existem muitos!! Compartilho uma listinha dos que realmente fiz, paguei, experimentei, e gostei. Há basicamente dois modelos de escolas na internet: aquelas onde se compra um curso específico e aquelas onde se faz uma assinatura mensal, com direito a assistir quantos cursos quiser (tipo Netflix). Vou dar alguns exemplos dos dois tipos. (São todos em inglês, pois não conheço em outras línguas, nem no Brasil; mas se vocês souberem de algum legal, me contem nos comentários!)

Anna Mason Art — A escola online da inglesa Anna Mason é voltada para quem ama aquarela de precisão, com tutoriais de botânica, pequenos animais e alguns de temas diversos. Foi onde aprendi a fazer a abelha que ilustra esse post! Parece uma coisa dificílima, mas na verdade requer apenas paciência de seguir os passos dos vídeos, tudo super explicadinho pela simpática Anna. Já entrei e voltei duas vezes, pois é por assinatura mensal (só tem acesso se estiver pagando). Da última vez, optei por um pacote de 6 meses, mas pedi um desconto dizendo que era brasileira e que a libra estava muito cara. Eles me deram 20% de abatimento, resultando num custo de aproximadamente 60 reais por mês. Gosto muito do jeito como ela ensina, das mensagens que ela escreve, das misturas de cores, das técnicas e truques de aquarela. Já os temas das pinturas não me interessam tanto.

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Flor (magnólia) feita por mim a partir de tutorial Anna Mason

Creative Bug — Outra escola de assinatura mensal, voltada para desenho, aquarela, artes e artesanatos em geral. Tem a vantagem de ser baratinha: menos de 20 reais mensais da última vez que assinei (4,99 dólares). Além disso, os vídeos são lindos, as filmagens bem detalhadas e nítidas, com aulas estruturadas de forma simples e rápida. Conheci o site pelos cursos de desenho e aquarela da Lisa Congdon, mas depois assisti também as aulas de Lindsay StriplingYao Cheng e Jennifer Orkin Lewis, além de outras sobre encadernação. Um bônus é que as mensalidades se transformam em créditos que permitem você guardar os cursos na sua biblioteca pessoal. Assim, mesmo interrompendo o pagamento, o acesso a essa lista é garantido pra sempre. Também oferecem mini-cursos gratuitos no site e no Facebook.

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desenho da minha gata Lola inspirado em L. Congdon

Sketchbook Skool — Essa foi a primeira escola online que frequentei, pois já admirava muito os livros e o blog do Danny Gregory, um de seus fundadores. O pagamento é por curso, que inclui 5 ou 6 instrutores, com as aulas liberadas semana a semana, como se fosse uma faculdade de arte. A lista de professores é maravilhosa e os vídeos costumam ser super bem feitos. A filosofia da SBS é inspirar, motivar, dar ideias, mostrar artistas trabalhando e falando sobre seus processos criativos. Há demonstrações de desenhos e pinturas sendo feitos, mas sem ênfase em técnicas passo-a-passo. Em compensação, eles mostram os estúdios, os sketchbooks e os livros preferidos dos artistas, e quase sempre saem para filmagens ao ar livre, enfatizando o desenho/pintura de observação direta. O preço garante acesso permanente aos cursos mas não é baratinho (99 dólares). Já fiz alguns desde que a escola começou e posso dizer que valeram muito à pena! Professores que me marcaram, além do próprio Danny Gregory (que dá aula em quase todos os cursos): Prashant Miranda, Tommy Kane, Roz Stendhal, Jill Weber, Feliz Scheinberger, Lynne Chapman. Algumas dessas aulas foram fundamentais para me encorajar a criar as oficinas dos cursos de antropologia e desenho que comecei a oferecer na UFRJ desde 2013. Vários dos professores da SBS também são pessoas que conheci nos encontros internacionais dos Urban Sketchers, como Miguel Herranz, Lapin, Veronica Lawlor, Nina Johansson, Jason Das… daí eu não destacar tanto as aulas deles online, pois tive a oportunidade de fazer workshops pessoalmente. Incluí a Lynne Chapman (com quem trabalhei em 2016) nos destaques pois acho que fizeram uma filmagem excepcional sobre ela e seus projetos na interface entre ilustração e ciência, que tanto admiro.

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pintura/colagem que fiz assistindo uma aula do J.Twingley na Sketchbook Skool

Craftsy — Escola de arte online que cobra por curso. Só fiz os dois da Shari Blaukopf, pois ganhei cupons de desconto dela, que conheci em 2013 e com quem fiz uma oficina em 2016. A Shari é uma pessoa gentilíssima, com um alto nível de conhecimento de aquarela, num estilo bem solto. Gostei de assistir e acho que aprendi bastante sobre cores, camadas e aguadas. As aulas na Craftsy são bem didáticas, tipo passo-a-passo — pena que o estúdio de filmagem seja tão sem graça! Eles têm feito cursos com vários instrutores ligados ao mundo da aquarela e do desenho urbano, como Suhita Shirodkar, James Richards, Marc Taro Holmes, Stephanie Bower, entre outros como vocês podem ver aqui. Recomendo para quem quer aprender o estilo de um artista específico. Ah, e uma dica bem legal é ver as resenhas do Parka Blogs sobre os cursos antes de decidir qual fazer.

Roubadas — Cuidado com cursos que são meras palestras filmadas por Skype! Uma vez cheguei a pagar por uma aula anunciada no Instagram com três ilustradoras que admirava. Na hora de assistir, eram vídeos super mal feitos de telas de computador. Pedi meu dinheiro de volta depois da meia hora. Reclamaram, mas devolveram. Por essas e outras é que costumo pagar tudo online com Paypal, inclusive livros, já que fica mais fácil estornar valores.

Curso milagroso x seu tempo — Assim como na vida acadêmica, no mundo da arte também procuramos pela fórmula mágica que vai nos transformar em artistas da noite para o dia. Isso não existe. Mesmo para pessoas que nascem com talento e criatividade excepcionais, é o trabalho diário, a persistência, a capacidade de recomeçar, enfrentando as dificuldades, que faz com que avancem.

Para nós, simples mortais, o caminho é o mesmo. Considero que retomei essa estrada em 2004 (em cursos da faculdade de design, trancada depois). Continuo dando passinhos de formiga, muitos pra frente, outros pro lado, vários pra trás (meu momento atual!). Em 2008, quando senti que tive um certo desenvolvimento, meu professor Manoel Fernandes me disse: mais do que as aulas, o que está fazendo você se desenvolver é o uso diário do caderno, seus desenhos no metrô; não pare! Ou seja, não adianta frequentar o melhor curso do mundo se você não pratica, se não investe seu tempo e atenção nisso.

É isso, pessoal! Espero que essas dicas sejam úteis. ♥ Eu poderia falar do mundo Youtube, mas vou deixar para um outro dia, se vocês tiverem interesse.

Levei três semanas fazendo esse post porque foram muitos detalhes para lembrar e informações e imagens para organizar.

Nesse meio tempo, fiz uma cirurgia para retirar uma pedra na vesícula. Já passei pela primeira semana de repouso e está tudo indo bem! ☺ Bons desenhos!

Você acabou de ler “Doze dicas de cursos de desenho e aquarela que já fiz (presenciais e online)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2017. “Doze dicas de cursos de desenho e aquarela que já fiz (presenciais e online)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/p42zgF-39g. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Mente selvagem: dicas de escrita de Natalie Goldberg

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“A vida não é ordeira. Por mais que tentemos pô-la em ordem, bem no meio dela morremos, perdemos uma perna, nos apaixonamos, derrubamos um pote de geléia.”

Assim Natalie Goldberg começa seu Mente selvagem. O dragão da imagem me fez puxar esse livro da estante. Estou assustada com a falta de confiança dos meus alunos em escrever. Não se reconhecem como autores. Repetem as frases que os professores querem ler nas provas. É um bom truque aprender a escrever aquilo que seus avaliadores desejam, mas é também uma armadilha.

“Confiar em nossa mente é essencial para escrever”, diz Natalie, antes de apresentar seus 7 conselhos para o ofício:

  1. “Mantenha sua mão em movimento.” Estabeleça um tempo e não pare. Deixe que a mão criativa assuma o controle, impedindo a mão editora-crítica de interferir.
  2. “Descontrole-se. Diga o quer dizer.”
  3. “Especifique-se. Não carro, mas Cadillac. Não fruta, maçã.”
  4. “Não pense. (…) Limite-se a treinar e esqueça todo o resto.”
  5. “Não se preocupe com pontuação, ortografia e gramática.”
  6. “Esteja livre para escrever o pior lixo das Américas.”
  7. “Ataque a jugular. Se alguma coisa apavorante surgir, vá em frente. É ali que está a energia.”

“Estamos sempre recomeçando”, ela escreve. “É como beber água. Não bebemos um copo uma vez e nunca mais temos de tornar a beber. Não terminamos um poema ou um romance e nunca mais temos de escrever outro. Estamos sempre recomeçando. Isso é bom. É bondade.”

“Mantenha-se simples”, afunde-se em si mesmo e escreva naquele lugar tranquilo de igualdade e verdade, segue Natalie.

“Somos lentos em nos dar conta da grandeza que há em nós.”

“Escrever é a brecha pela qual podemos nos esgueirar para um mundo maior, para nossa mente selvagem.”

“Se quer escrever, escreva. Essa é sua vida. Você é responsável por ela e não vai viver para sempre. Não espere. Arranje tempo agora, mesmo que dez minutos por semana.”

“Muitas vezes, quando está sendo difícil escrever, digo a mim mesma: ‘não existe fracasso’. O único fracasso de quem escreve é parar de escrever. (…) Não faça isso. Deixe que o mundo lá fora grite com você. Crie um mundo íntimo de determinação.”

“É bom experimentar coisas diferentes, mas eventualmente temos que escolher uma coisa e assumir um compromisso. Do contrário estaremos sempre à deriva e não teremos paz. (…) a capacidade de se concentrar é de onde vêm o contentamento e o amor.”

Adorei reler essas frases que sublinhei na época da leitura, nos anos 1990. Quem sabe ressoem em vocês.

Sobre o livro: Goldberg, Natalie. Mente Selvagem: como se tornar um escritor. Rio de Janeiro: Gryphus, 1994. (Tradução de Tati Moraes.) A citação está na página 7. Da mesma autora, recomendo Writing Down the Bones, que tem uma edição brasileira muito bonitinha: “Escrevendo com a Alma” (ed. Martins Fontes, 2008, trad.: Camila Lopes Campolino).
Post atualizado em 31/08/2018 – Obrigada a todas que me escreveram pedindo mais detalhes e indicações sobre a autora!

Revistas acadêmicas! A seguir um presentinho preparado pela querida Daniela Manica (obrigada! ♥) a partir de um post que publiquei no Facebook pedindo sugestões de revistas que aceitam trabalhos de alunos de graduação. A Dani também é professora de oficinas de escrita no IFCS e faz um trabalho incrível com os alunos, de pesquisa e preparação de textos para publicação. Aí vai a listinha completa das revistas indicadas:

Revista Habitus (IFCS/UFRJ)
http://www.habitus.ifcs.ufrj.br/index.php/ojs

Cadernos de Campo (FFLCH/USP)
http://www.revistas.usp.br/cadernosdecampo/index

Ponto Urbe (FFLCH/USP)
https://pontourbe.revues.org/

Revista Três Pontos (FAFICH/UFMG)
https://seer.ufmg.br/index.php/revistatrespontos/index

Revista Ensaios (UFF)
http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/ensaios

Revista Todavia (UFRGS)
http://www.ufrgs.br/revistatodavia/

Revista Florestan (UFSCAR)
http://www.revistaflorestan.ufscar.br/index.php/Florestan/index

Revista Textos Graduados (UNB)
http://periodicos.unb.br/index.php/tg

Revista Primeiros Estudos (USP)
http://www.revistas.usp.br/primeirosestudos/index

Revista Pensata (Unifesp)
http://www2.unifesp.br/revistas/pensata/

Revista Escrita da História – REH
http://www.escritadahistoria.com/

E para quem se interessa pelo mundo acadêmico: o blog tem posts com 25 dicas de edição de textos, sobre brincar de pesquisar, sobre o tempo pra fazer a tese – parte 1 e parte 2, como explicar sua tese, dicas para aproveitar a defesa de doutorado e outros textos sobre minhas experiência na importância de escutar, nos truques da escrita, na elaboração de uma carta para a seleção de mestrado, na escrita de projetos, nas defesas de tese, nas dores de não passar, na falta de tempo, no ensino de antropologia e desenho, no aprender a desescrever, nas agruras de ser doutoranda, na vida dos alunos, no sorriso do professor, nas lições da vida acadêmica, na importância de não ser perfeito e nas muitas saudades de Oxford 1, 2, 3 e 4!

Sobre o desenho: Dragão feito por observação na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, de São Paulo, durante uma aula de desenho da Fernanda Vaz Campos, que gentilmente me convidou para participar. Foi uma festa estar na terra da garoa por quatro dias, mas sobre isso escrevo mais em outro post. O desenho foi feito num moleskine pequeno com canetinha Unipin 0.2 e aquarelado no local, do jeito que deu. Passei um pouquinho de lápis-de-cor branco antes de escanear para tentar marcar os brilhos na fórmica preta, mas acho que não deu muito certo.

Você acabou de ler “Mente selvagem: dicas de escrita de Natalie Goldberg“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2016. “Mente selvagem: dicas de escrita de Natalie Goldberg”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: http://wp.me/p42zgF-Ui. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)

sonho duplo

 “And now that you don’t have to be perfect, you can be good.”
John Steinbeck, East of Eden

Quando assisti pela primeira vez uma defesa de doutorado, saí empolgadíssima para comentar com meu (futuro) orientador:

Eu — Puxa, quero ler aquela tese: deve ser maravilhosa!

Ele — Hã? Maravilhosa? Como assim? A tese quase não foi aprovada!

Eu — Ué… Mas a banca elogiou tanto!

Ele, já rindo — Você não entendeu nada, Karina… A banca elogiou pontos sem importância; mas criticou a estrutura do trabalho!

Eu — É? E ele virou doutor assim mesmo?

Ele — Sim!

Quase 25 anos depois desse episódio e após minhas próprias defesas e participações em bancas, acho que aprendi alguma coisa…

Em homenagem às centenas de teses que serão defendidas nas próximas semanas Brasil afora, aí vão dez dicas para sobreviver (e aproveitar) esse momento:

1) Muita gente se apavora antes da defesa, lembrando do pânico que foi a prova de seleção. Nada a ver. Se o seu(sua) orientador(a) é minimamente sério, se a sua defesa está marcada e se a sua tese está entregue, relaxe: você vai passar. (Mas não fica bem mandar imprimir convite para a festinha da noite, muito menos convidar os membros da banca com antecedência!)

2) O que mais me ajuda nas situações de estresse acadêmico é me preparar. Agora que estou do outro lado, sei que uma fala bem ensaiada de 20 minutos é tudo que a banca sonha em ouvir. Algo que Informe a platéia mas não canse os examinadores… Também é prático imprimir a apresentação em letra grande. Tenho implicância com power-point de texto em defesa, mas para imagens ou filmes, às vezes é inevitável.

3) Se na hora de montar sua apresentação você for como 95% dos doutorandos que ainda não sabem exatamente sobre o quê é a tese…, relaxe: você é normal. Os outros 5% são uns chatos.

4) A defesa é um ritual mas não um teatro infantil requentado. Ao contrário! Na minha experiência e na de muitos que já passaram por isso, a defesa é um dos melhores momentos da vida acadêmica. Durante quatro horas, cinco professores se dedicarão exclusivamente a debater o seu trabalho com você. Quando isso vai acontecer de novo? Talvez só numa homenagem póstuma (e você não vai estar lá para ver).

5) Para aproveitar ao máximo, umas dicas aparentemente bobas, mas úteis: usar a sua roupa mais apresentável-com-conforto no dia (roupa nova é arriscado, vai que aperta), ir ao banheiro antes, levar água e uma comidinha discreta para o intervalo (chocolate, castanha, uva). Na minha defesa, levei aqueles saquinhos com mel dentro; mas eu mordia, mordia, e nada de abrir… foi horrível. O doutorando mais engraçado que já vi começou a defesa instalando um verdadeiro piquenique na mesa: comidinhas variadas, bebidas, guardanapos! (E passou super bem. Foi considerado excêntrico.)

6) O meu Grande-Medo era ouvir críticas que eu não soubesse responder; ou pior: críticas tão ferozes que não restasse nada de bom no meu trabalho. Isso é uma Grande-Bobagem, por vários bons e maus motivos… Um bom motivo é que, como escreveu Umberto Eco, se foi você mesmo que fez a pesquisa, você é a pessoa que mais saberá defendê-la. Confie nisso. Outro bom motivo é que todo trabalho tem pontos fortes (ou deveria). Valorize os seus caminhos e as suas opções.

7) Conheço orientadores experientes que aconselham seus alunos a defenderem-se a qualquer custo das perguntas da banca. Não concordo. Acho que é importante se valorizar, mas também reconhecer quando algo interessante (ou problemático) for sugerido. Uma das defesas mais legais que assisti foi a que o orientando fez questão de convidar uma banca feroz, só com professores famosos por serem durões. E, a cada pergunta, ele vibrava, anotava e dizia: “manda mais!” Tudo para poder responder de igual para igual depois! Foi um espetáculo.

8) Ainda um bom motivo para enfrentar o Grande-Medo: humildade faz bem. Como diz Steinbeck na epígrafe acima, quando não precisamos mais ser perfeitos, podemos ser bons. (Vovó Trude diz que o bom é inimigo do ótimo. Ela tem razão: queremos fazer teses incríveis, fantásticas e que vão revolucionar o mundo, mas vamos fazer apenas Teses. Ponto.)

9) Isso me lembra outro bom motivo para afastar o medo: a conclusão do doutorado é o começo da vida acadêmica e não o fim. É a partir da defesa que começamos a trabalhar de verdade. Sei que isso parece irreal agora (antes), mas vai por mim. A vida começa depois da tese.

10) Os maus motivos para não ter medo da defesa infelizmente também existem: quando seu(sua) orientador(a) ou os membros da banca não fazem um bom trabalho, não terminam de ler a tese, não se empenham em elaborar questões relevantes, não focam no seu tema, não estão interessados em contribuir com a sua pesquisa… Sem falar naqueles defeitinhos sórdidos: ciúmes, agressividade, inexperiência, preguiça. Enfim, uma prova de que os doutores continuam sendo humanos. Resta voltar ao ponto 9 e lembrar que a vida continua.

Foi pensando no tempo em que eu esperava os dias para a minha defesa (nos idos de 1998!) que fiz o desenho acima. Como já contei aqui, somatizo as minhas ansiedades e medos tendo pesadelos terríveis. Sonhava que tinha esquecido de entregar um capítulo, que não lembrava de levar a apresentação, que saía massacrada… Todo o roteiro acima (do 1 ao, infelizmente, 10 também).

O problema de quem tem muito pesadelo é voltar a dormir. Hoje, pela primeira vez, resolvi desenhar a imagem que me ajuda a retomar o sono de madrugada. Imagino que estou deitada na beira de um rio, embaixo de uma árvore, num dia bonito, e tento me concentrar na sensação de paz desse cenário. Aprendi esse tipo de visualização ainda adolescente, com uma professora de violão. Quase sempre dá certo.

Espero que o post e a imagem ajudem a todos a atravessar bem as defesas que vêm por aí! Boa sorte!

Update de fev/2017: leitores novos, sejam bem-vindos! O post tem sido lido por milhares de pessoas nos últimos dias mas o WordPress só me diz que o link vem de algum lugar do Facebook… Alguém poderia me mandar a origem para eu agradecer a referência? Podem postar nos comentários, mandar via mensagem de Facebook ou por e-mail! Obrigada ♥

Sobre o desenho: Registrei o processo antes de adicionar cor, pois estava insegura se ia dar certo (esse caderno Laloran é maravilhoso, mas não está com papel próprio para aquarela). As linhas foram feitas com canetinha nanquim Pigma Micron 0.3 e as cores com aquarela Winsor & Newton e waterbrush Kuretake.

Você acabou de ler “Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2015. “Defesa de doutorado: dez dicas para sobreviver (e aproveitar)”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url “http://wp.me/p42zgF-cG“. Acesso em [dd/mm/aaaa].