Karina Kuschnir

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Meu TCC mudou minha vida

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“O difícil não é ser complicado; o difícil é ser simples. Quanto mais você conhece algo, mais clara deve ser sua explicação.” (Citando de memória minha orientadora de TCC, Angeluccia Habert)

Até o último ano da faculdade de jornalismo, eu não tinha ideia de como fazer uma pesquisa, apesar de quase metade do meu curso ser composta de disciplinas como história, antropologia e sociologia… Para minha sorte, no último ano era obrigatório fazer um semestre de Metodologia de Pesquisa e outro de Monografia (mais conhecida como TCC,  Trabalho de Conclusão de Curso).

Cheguei na aula de Metodologia de pé atrás, porque a professora Angeluccia Habert tinha fama de durona. Como eu trabalhava e fazia faculdade à noite, precisava escolher as matérias para me dedicar enquanto ia levando as outras. Achei que Metodologia cairia nesse limbo, mas me apaixonei!

O segredo desse amor foi que aprendi a fazer uma pesquisa aprofundada. O principal livro da disciplina era Comunicação de Massa: Análise de Conteúdo, de Albert Kientz. Não tenho referências atuais sobre o autor, mas me marcou demais como ele e a Angeluccia me ensinaram de forma didática que era preciso decupar um material e analisar cada pedacinho, para só depois tentar interpretações mais amplas. Fiquei fascinada por existir um método passo a passo.

Para Metodologia, fiz um trabalho final sobre o conceito de indivíduo em obras teatrais de Mauro Rasi. Através de amigos em comum, consegui os roteiros de três peças que giravam em torno do tema família. Pesquei algumas referências teóricas sobre individualismo e fui. Lembro de suar muito para escrever um texto corrido que juntasse os trechos das peças e as questões dos autores, mas acabei tirando 9,0 — uma nota fantástica para a Angeluccia. Esse trabalho, inclusive, foi crucial para que eu passasse no mestrado em antropologia, pois era a única pesquisa que eu tinha para mencionar na entrevista.

No semestre seguinte, pedi à Angeluccia para ser minha orientadora de TCC. Se lembro bem, por ser super exigente, ela não tinha filas. Faltavam só cinco meses para colar grau quando tive a primeira melhor notícia da minha vida, que foi passar no mestrado para o PPGAS, no Museu Nacional/UFRJ. Agora é que a monografia tinha que sair decente.

Nessa época, eu trabalhava na antiga Rádio JB AM, só de notícias. O sistema Jornal do Brasil tinha um setor de pesquisas incrível. Como estagiária e depois repórter, eu amava vasculhar esse material, que abrangia não apenas o JB mas dezenas de veículos de imprensa, por décadas. A primeira coisa que decidi foi fazer meu TCC trabalhando com cinco jornais impressos. Depois, resolvi focar em como esses veículos retratavam as empregadas domésticas durante um recorte temporal específico.

Não tenho mais o material da pesquisa empírica: eram quase 70 reportagens com suas respectivas fichas de decupagem e uma grande tabela de análise feita à mão em duas cartolinas brancas grudadas (que eu precisava enrolar para transportar). Entrevistei também uma pesquisadora que trabalhava na área. Feita essa parte, restava escrever… Haja coca-cola diet (era novidade) para me manter animada a terminar. O cenário dessa fase está na ilustração acima: um computador dos anos 1980, muitos jornais velhos, disquetes, lápis, caneta, a tabela de análise enrolada  e algumas cópias de textos.

Mas por que o título dramático desse post — “Meu TCC mudou a minha vida”?

• Porque eu nunca teria me tornado pesquisadora e professora se as disciplinas de Metodologia e de TCC não fossem obrigatórias no curso de Comunicação.

• Porque, às vezes, as coisas que a vida te obriga a passar são justamente as que te abrem os caminhos mais interessantes.

• Porque até na minha banca de doutorado, um dos meus ídolos da antropologia afirmou que um dos pontos altos da tese eram os trechos de análise de discurso dos meus interlocutores.

• Porque ainda hoje, quando oriento meus alunos, volto ao básico que aprendi com a Angeluccia e com o Kientz: uma boa investigação parte de um recorte preciso e de uma análise minuciosa das fontes.

• Porque tudo isso reafirma que não precisamos apelar para conceitos mirabolantes para fazermos bem feito.

• Porque criar algo por meio de uma pesquisa nos faz um bem danado.

• Porque o conhecimento contribui para um mundo melhor.

É simples.

Boa semana, com ótimas escritas, desenhos e pinturas, pessoal! ☼

Sobre o desenho: Uma novidade: o desenho desse post foi feito no papel e depois finalizado no Ipad. Estou assistindo um curso online só para aprender a mexer no Procreate. É um mundo de possibilidades. Nesse caso específico, comecei de forma tradicional: reuni fotos de objetos da época, depois fiz um desenho no verso de uma folha de papel A4 (bloco Canson Aquarelle) com canetinha Pigma Micron 0.2. Comecei a pintar com aquarela mas me deu uma preguiça enorme, por ser um tamanho grande (prefiro pintar A5 ou A6) e pelo mundo de detalhes da pilha de jornais… O original ficou largado na minha mesa por vários meses… Com o Ipad, resolvi testar adicionar as cores e sombras no Procreate. Vejam abaixo como estava no início do processo e como foram as camadas adicionais de sombras e cores (juntei todas para facilitar a visualização):

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Abaixo, o desenho final com as duas imagens acima reunidas, e o fundo do papel clareado depois no Photoshop:

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Adorei a experiência! Apesar de também ser bastante trabalhoso, colorir no Ipad tem o conforto de te permitir testar e desfazer, além de possibilitar coisas impossíveis em aquarela, como pintar letras verdes sobre um fundo escuro. No papel, eu teria que usar guache e mesmo assim seria bem difícil. Na maior parte do processo, utilizei o pincel Calligraphy – Water Pen, que já vem com o app.

Isso me lembra que preciso atualizar urgentemente o post sobre os 12 Cursos de Desenho, que está sempre entre os mais visitados do blog. Já fiz pelo menos outros 12 cursos desde então — amo ser aluna!

Se quiserem saber algum detalhe que esqueci de explicar, escrevam nos comentários por favor. ♥

Você acabou de ler “Meu TCC mudou minha vida“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! ☺

Como citar: Kuschnir, Karina. 2020. “Meu TCC mudou minha vida”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3PI. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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A vida dos outros

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Quando fui parar na antropologia, minha mãe ficou muito preocupada. Eu tinha carteira assinada como jornalista e ia virar “antropo-o-quê”? Mas eu não; achei lindo escrever “antropóloga” em formulários de hotéis ou em documentos tipo-procuração que só servem para coisa chata. (A profissão melhora bastante o desgosto de encarar a burocracia.)

Bem, é um pouco mentira isso de ser antropóloga. Porque a atividade de professora é a que realmente ocupa o meu tempo. E, como as chances de realizar trabalho de campo são raras, faço de tudo para aproveitar a sala de aula para pesquisar. Afinal, tem um monte de alunos ali na minha frente, várias vezes por semana! Vou ficar falando o tempo todo? Nem pensar.

Meu objetivo número um como professora é dar um jeito de saber mais da vida dos alunos. Não estou interessada se eles decoraram os conceitos de Marcel Mauss. Estou é constantemente curiosa para saber o que pensam, qual presente gostariam de ganhar, como vêm e vão da faculdade, e como posso dar um jeito de metê-los numa pesquisa etnográfica (para obrigá-los a me contar tudo sobre a experiência, claro).

Um dos truques que inventei para pesquisar em sala numa disciplina de Metodologia foi pedir para os alunos escreverem uma redação com o título “Minha vida” em uma página. É bem cafona esse nome, eu sei, mas gera um tipo de material que adoro ler. Com uma boa análise, dá para mostrar aos alunos-que-se-acham-tão-singulares-e-únicos com são parecidos! Os padrões estão sempre lá: os desejos de consumo, os temas recorrentes, os sonhos de viagens, as pessoas da família.

Essa redaçãozinha simples serve para lembrá-los que uma pesquisa também é feita dos silêncios que provoca. Imaginem, naquela turma de jovens de 18 a 21 anos ninguém bebe, nem usa drogas, nem pensa em namorar! Como uma pesquisa pode enganar tanto assim, gente? Eles quase sempre morrem de rir de si mesmos; e constatam na prática que todo “dado” é construído, feito para alguém, variando segundo hora, lugar, contexto etc. Eu finjo que o objetivo é ensinar Ciências Sociais. Mas o lucro é que saio dali sabendo um pouquinho mais de cada um. Histórias tão lindas que já li: menina adotada, dançarina, mãe; menino perdido, outro poeta e até um que era da equipe olímpica de polo aquático!

Hoje em dia, quando não tenho tempo de analisar redações inteiras, faço em sala de aula uma versão mais curtinha. Peço que escrevam num papel o que fariam se ganhassem na loteria… a) 100 reais?; b) 10 mil reais?; c) 1 milhão de reais? Depois fazemos coletivamente a compilação e a análise das respostas. Todo mundo se diverte; e se arrepende; e quer começar tudo de novo. Não é fácil se ver objetificado numa tabela.

Contei tudo isso porque essa semana achei no meu computador uma adaptação do “Questionário Proust” — uma série de perguntas associada ao escritor francês que (supostamente) adorava esse jogo de salão. A partir de várias fontes na internet, criamos a nossa própria lista de perguntas, com a participação das crianças. (A Alice acrescentou uma pergunta sobre surf!) Depois, colocamos cada questão em um papel dobradinho, dentro de um chapéu, para ser sorteada. Foi a brincadeira certa para quebrar o gelo durante um reencontro de parentes que não se viam há muitos anos. Dá para saber um pouco mais de cada um com um pouco de humor. Aí vai a lista:

O que é mais importante em uma pessoa? Com qual figura histórica você se identifica? Como você gostaria de morrer? Qual a sua heroína favorita? O que seria a maior das tragédias? Onde gostaria de viver? Quais são os artistas que você mais gosta? Quais são os poetas de que mais gosta? Quem são seus heróis? Qual é o seu maior defeito? O que lamenta não ter feito? O que mais valoriza nos amigos? O que você mais detesta? Onde e quando foi mais feliz? Quais são os seus escritores favoritos? Quais são os seus heróis de ficção preferidos? Quais são os personagens históricos que você mais despreza? Quais são os seus heróis na vida real? Qual a característica que mais deplora nos outros? Qual é a pessoa que mais admira? Qual é a sua característica mais deplorável? Qual é a sua característica mais marcante? Qual é a sua ideia de felicidade perfeita? Qual é a sua maior extravagância? Qual foi a sua maior realização? Qual foi a sua viagem predileta? Qual é o lema da sua vida? Quem você gostaria de conhecer melhor? Que lugar você gostaria de conhecer? Qual é sua ideia de felicidade? Qual é sua maior qualidade? Qual é sua palavra favorita? Qual é o móvel da sua casa favorito? Qual é o maior amor da sua vida? Qual é seu atual estado de espírito? Qual é sua cor favorita? Que defeito é mais fácil perdoar? Quem são suas heroínas na vida real? Quem você gostaria de ser, se não fosse você mesmo(a)? Se pudesse voltar à vida como outra pessoa, quem seria? Seu compositor favorito é… Seus autores preferidos? Sua atividade favorita é… Qual é a sua parte do dia favorita? Qual é a sua bebida favorita? Qual é o seu estilo musical favorito? Se você pudesse mudar alguma coisa no seu passado, o que você mudaria? Qual é o último filme que você viu? Qual foi o último livro que você leu? Qual é a sua fruta favorita? Qual é o seu sabor de sorvete favorito? O que você gostaria de aprender que você ainda não aprendeu? Você prefere frio ou calor? Bicicleta, carro ou prancha de surf? Qual é a sua lembrança mais antiga? Gato ou cachorro? Café da manha, almoço ou jantar?

Sobre o desenho: Desenhei alguns livros aqui de casa inspirada pelo tema do post da semana passada (e para ilustrar o calendário de abril/2014). O bonequinho à frente foi feito a partir de um Gaston Lagaffe que tenho em miniatura. Acrescentei o Garfield porque era o meu personagem favorito na adolescência. Os materiais foram os de sempre: canetinhas nanquim 0.3, lápis de cor e aquarela.