Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


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Sonhos

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Comecei o ano cheia de projetos. Vários eram só lembretes do que já tento fazer: cuidar dos filhos, de mim, das artes, do blog e do trabalho. O mais diferente foi “quero ter menos pesadelos em 2020”.

Quem me acompanha aqui, sabe que essa é uma das minhas sequelas pessoais. Sonho muito e frequentemente estou no papel das personagens-vítimas de filme de terror. Já fiz exames em que dormi numa clínica grudada em dezenas de fios, já consultei especialistas, já fiz curso de meditação, já corri em volta da Lagoa, já tomei remédio alopata e homeopata, já fiz acupuntura. Melhoro um pouco, mas os pesadelos voltam.

Comecei uma terapia nova em janeiro, decidida a levar esse projeto adiante. Veio a pandemia, o choque, o medo, as milhares de vidas perdidas, o confinamento, nossa Covid não confirmada, o cansaço extremo com o trabalho remoto. Meus planos de ter menos pesadelos foram ladeira abaixo.

Então a Rosana Pinheiro-Machado teve a ideia de um projeto lindo de fazer um curso no Youtube com professores voluntários. Me ofereci para gravar um vídeo sobre Escrita e sofrimento acadêmico. A conversa está com quase 20 mil visualizações e 350 comentários — todos só gentilezas!

Mas não vim aqui me auto-elogiar, né? Queria compartilhar minha surpresa com um dos pontos mais destacados por quem assistiu. Muitos que sugeri “lembrar do sonho” que motivou sua trajetória acadêmica, dos momentos em que você se sentiu empolgada, entusiasmada, feliz ou simplesmente em paz e autoconfiante com a ideia de realizar a sua pesquisa.

Percebem o paradoxo? Eu, a senhora-dos-pesadelos, falando em como sonhar é bom! 😀

Pensar sobre tudo isso me fez lembrar da imagem que ilustra esse post. Sempre volto a ela antes de dormir. Faz parte de um projeto que terminei ano passado, de estudar-pintando um livro de 50 aquarelas do Wil Freeborn, conforme conto aqui.

Recorro a essa cena como uma forma de me transportar para uma sensação boa, de me sentir serena no aqui e agora. Nada contra lindas praias, mas são os jardins que fazem meu coração bater mais forte. Árvores, livros, sol e sombras, conversas, crianças com os pés na água.

Queria sonhar todo dia com parques e céus azuis. Estou longe disso, mas os pesadelos têm diminuído. A terapia está ajudando muito.

Agora meus filhos me dizem: “mãe, você precisa reassistir à sua própria aula”! Eles brincam que preciso dos meus próprios conselhos — de não me cobrar tanto, de me permitir recomeçar e ser imperfeita.

É por isso que escrevo e desenho: para não esquecer dos meus sonhos de sonhar melhor, para lembrar do que importa, para me reenergizar, para ser útil.

Bons sonhos, pessoas queridas! Até semana que vem.

E ontem (28/08/2020) teve aula da nossa reitora-musa do que já apelidei de “Universidade da Pinheira”: Rosana Pinheiro-Machado, falando sobre técnicas para estruturar um texto. Foi excelente. Concordo com cada detalhe, com todas as prioridades apontadas e com o diagnóstico sobre os principais erros dos textos que avaliamos, como perder o fôlego na parte crucial de um trabalho, que é a análise dos dados de pesquisa. Rosana conseguiu resumir o que mais falamos em revisões de artigos, bancas e orientações. Como eu, essa também foi a primeira aula que ela gravou sozinha em vídeo. É um desafio, gente. Mas acho que ela encontrou o tom perfeito: sério, afetivo, acolhedor, com espaço para improvisos e ainda com os sorrisos mais fofos do curso! ♥

Sobre a imagem: Como mostro na foto abaixo, esse é um dos 50 estudos que fiz a partir do livro “Learn to Paint in Watercolor with 50 Paitings”, do Wil Freeborn (ed. Quarto, 2017). Levei quase um ano para completar o projeto que começou em 2018, como conto nesse post. A ideia era pintar uma por dia. Concluí as 50, mas claro que não consegui cumprir esse cronograma fictício. Algumas eram muito complexas, outras atrasaram porque a vida atravessou. Mas aprendi muito! Pensei em compartilhar todas num post só, mas dá um trabalho gigante editar 50 imagens. Não posso me dar a esse luxo no momento atual. Vai ter que ser aos poucos mesmo.

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Em vários estudos, busquei simplificar a proposta do artista, reduzindo os detalhes ou pintando apenas uma parte da cena. Nessa imagem em particular, tirei elementos do fundo à esquerda e tentei fazer um gramado mais suave. Fiz todas em um caderninho pequeno, que ganhei de brinde (ver post citado acima). As cartelinhas de cores são uma forma que utilizo para entender os tons dos pigmentos das aquarela que tenho, como explico no post sobre a paleta de cores e na página de materiais. Na foto acima, livro aberto de W. Freeborn, meu caderninho espiral e as guias de tons em volta. Algumas intensidades mais escuras da imagem original eu não consegui atingir porque ainda estou aprendendo… Além disso, o papel do meu caderno era fino (para aquarela), aguentando no máximo duas ou três camadas de tinta.

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2020. “Sonhos”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3Ra. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Resiliência

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Uma das coisas mais difíceis na vida é recomeçar — cair, levantar, insistir, fazer, mesmo quando o corpo dói e a tristeza invade.

Mergulhei numa espiral de desalento e apatia, alternada com breves momentos de energia e ação. Começou com o incêndio do Museu Nacional e veio se arrastando. Não sei vocês, mas meu desânimo costuma gerar medos, pesadelos, noites insones e um vício amargo pela tela do celular.

Não recomendo.

Tive forças por saber que já fui e já voltei algumas vezes desse labirinto.

Aprendi tarde que existia uma palavra pra isso: resiliência. É aquela capacidade do boneco João-Teimoso de voltar a ficar de pé mesmo quando o empurramos ao chão.

A diferença é que, ao contrário dos seres humanos, o João-Teimoso é construído pra isso. E nós? Como voltamos a sorrir e a acreditar? Como retomamos o trabalho de ter ideias, escrever, publicar, estudar, ensinar?

Pra mim, está sendo um processo. Tem o tempo. Tem as mãos e os abraços dos meus amores. Tem a força e a cumplicidade dos estudantes. Os áudios dos amigos no zap. Tem a aquarela e o trabalho. Tem medicação para os momentos de emergência.

Ainda estou desconcentrada para leituras longas; e ainda estou insegura com um monte de coisas.

O que me ajudou a sair da inércia e vir aqui hoje foi pensar em todos que estão angustiados tentando escrever trabalhos de curso, TCCs, dissertações, teses, artigos e até relatórios pra Fapesp…

Amores, eu precisava vir aqui dar um abraço em vocês, e receber esse abraço também.

Como nos diz lindamente a artista Lisa Congdon:

“Compareça, respire, faça o seu melhor, seja gentil, aprenda, repita.”

Prometo voltar, prometo não desistir, prometo que vamos rir disso tudo um dia. Combinado?

Sobre o desenho: Aquarela sobre o verso de uma amostra de papel Hahnemühle (Expression). A imagem foi feita a partir de lembranças daquelas paisagens que vemos do avião quando estamos prestes a pousar em alguma cidade bonita. Sempre tirei fotos dessas vistas, principalmente quando são campos e plantações. É um tipo de pintura bem terapêutica, sem regras, sem pensar muito.

Sobre resiliência: Na Wikipedia tem um verbete interessante na área da psicologia:

“A resiliência é a capacidade de o indivíduo lidar com problemas, adaptar-se a mudanças, superar obstáculos ou resistir à pressão de situações adversas – choque, estresse, algum tipo de evento traumático, etc. – sem entrar em surto psicológico, emocional ou físico, por encontrar soluções estratégicas para enfrentar e superar as adversidades.”

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Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “Resiliência”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3IT. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Nosso Apocalypse Now de todo dia

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O que é melhor: estar correta ou ser gentil?; ter certeza ou compaixão?; indignar-se ou dialogar?

Tantas e tantas vezes optei pelas segundas respostas: gentileza, compreensão, diálogo… São valores que aprendi a amar, mesmo sabendo seu custo. Em algum momento da vida me disseram e eu acreditei: enquanto há palavra, não há guerra.

Será? Quantas injustiças somos capazes de suportar com doçura, compaixão e diálogo? Até quando seremos tratados como lixo respondendo com serenidade, choro ou apatia?

Sei que preciso continuar acreditando que educação, delicadeza, arte, ciência, política, amor e empatia podem construir um mundo melhor para todos os seres. Mas às vezes o vidro embaça, o pneu fura e o macaco quebra.

Trouxe esse colar para abrir o post porque ele vem de um lugar mágico. Tem pessoas, abraços, caminhos enrolados, rotas curtas e longas, paciência, fogo, cor, brilho e sombra.

Minhas últimas semanas, sem posts, foram assim. Pesadelos com o Google, com a Net, com a Lola doentinha, com as gaiolas nos EUA, com as denúncias de assédio na antropologia e principalmente, muito principalmente, até para quem detesta advérbios, o uniforme escolar atravessado de bala e sangue… as perguntas do filho para a mãe, tanta dor nessa morte assassina do Marcos Vinícius, na Maré, RJ.

Fiquei só com rascunhos, sem frases, porque o ditado também vale ao contrário: onde há guerra, não há palavra. Aqui é um Apocalypse Now todos os dias.

De alguma forma, escrevi sobre tudo isso um pouco antes, a convite da querida Mànya Millen, para o blog do IMS. A pauta era desenho e cidade — o que me levou a explicar por que não consegui me tornar uma Urban Sketcher no Rio de Janeiro. Sabia que seria um pouco polêmico, mas agora acho que peguei foi leve… Aí vão desenho e link:

Desdesenhando o Rio – https://blogdoims.com.br/desdesenhando-o-rio/

Karina Kuschnir IMAGEM IMS Post Urban Sketchers Rio de Janeiro

Desenho Karina Kuschnir para o Blog do IMS

Não tenho ideia de quantas pessoas leram a publicação, mas houve uma sequência interessante. O Nexo Jornal repercutiu o post fazendo uma matéria própria sobre os Urban Sketchers, selecionando imagens de desenhistas brasileiros e comentando minha posição crítica. Pena que preferiu utilizar na abertura o clichê de sempre: o Rio de Janeiro do cartão postal. Nada contra a bonita aquarela da Eliane Lopes (que não conheço pessoalmente). Tudo contra continuarmos re-produzindo visualmente esse cenário fake, pois na cidade real, que vive nessa moldura, há pessoas que fuzilam crianças do alto de um helicóptero. Apocalypse Now não é metáfora.

A matéria do Nexo: A comunidade global que compartilha cenas de cidades em desenhos

Para ajudar a população da Maré, conheçam, se envolvam e contribuam para os maravilhosos projetos da Redes da Maré. Não deixem de ler o texto sobre a ilegalidade do Caveirão Voador que, no dia 20/06/2018, foi responsável pelo assassinato de 7 pessoas, entre elas, dois adolescentes. E quantos outros morreram a bala no Rio desde o dia 20?

Para terminar com as contradições da dor e do amor, meus posts com a tag Urban Sketchers, grupo que admiro demais, que vem me ensinando muito do que sei sobre a experiência de desenhar, que me acolheu e onde fiz grandes e amados amigos e amigas de todos os cantos do mundo.

Meu problema não é com os USK; é com o Rio de Janeiro, com o Brasil, com todas as formas de invisibilizar as desigualdades que tanto precisamos corrigir, sanar, ao menos, reduzir! E uma das formas de começar é se permitir olhar, ver, enxergar (sequência bem dita da querida Andréa Barbosa). Precisamos enxergar e desenhar não apenas formas e cores, mas onde, quando e como as pessoas estão vivendo no mundo.

Como diria a Alice: — Super fácil esse negócio de ser antropóloga, mãe!

Sobre a complexidade de Apocalypse Now, filme de Francis Ford Coppola, inspirado na obra de Joseph Conrad, sugiro o verbete denso e interessante (em português!) da Wikipedia.

 

Sobre o desenho: Colar feito de corda com pendente esmaltado, obra de artesãos da escola de arte comunitária do Chapitô, em Lisboa. Desenho no verso de um papel Canson (bloco Aquarelle). Linhas feitas com uma canetinha de nanquim permanente descartável Pigma Micron 0.05 bem velhinha (daí serem tão finas). Cores pintadas com aquarelas Winsor & Newton e um pouquinho de tinta guache branca na área de brilho. Tudo nesse desenho é paciência, camadas leves, e um pouco de coragem na hora das sombras. Essas têm de sair de uma vez só para ficarem naturais… Costumo usar o meu melhor pincel, um Winsor & Newton series 7, n. 2, pois assim carrego tinta o suficiente para não interromper as linhas no meio.

Você acabou de ler “Nosso Apocalypse Now de todo dia“, escrito e ilustrado por Karina Kuschnir e publicado em karinakuschnir.wordpress.com. Se quiser receber automaticamente novos posts, vá para a página inicial do blog e insira seu e-mail na caixa lateral à direita. Se estiver no celular, a caixa de inscrição está no rodapé. Obrigada! 🙂

Como citar: Kuschnir, Karina. 2018. “Nosso Apocalypse Now de todo dia”, Publicado em karinakuschnir.wordpress.com, url: https://wp.me/p42zgF-3Fr. Acesso em [dd/mm/aaaa].


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Vendo Kombi 96

kombipQuando saí do metrô e me deparei com essa kombi amarela na esquina da rua dos Andradas com Senhor dos Passos, meu coração bateu um pouco mais forte. Eram 7:45h da manhã, mas consegui tirar o caderninho da bolsa e começar a desenhar.

Um carro é um objeto complexo, tão cheio de detalhes, vãos, peças e terceiras dimensões que existe até uma brincadeira no mundo dos desenhadores sobre a fobia de desenhá-los. É como se sua habilidade se dividisse entre antes e depois de conseguir traçar um automóvel no papel.

Nunca tive essa fobia… Sempre preferi nem tentar desenhar um carro inteiro, claro! E ainda sentia um certo desdém sobre alguém se interessar por desenhar um carro… coisa mais chata.

Nesse dia, porém, não pensei em nada disso. A cor amarela envelhecida, a carroceria fechada, o anúncio “Vendo 96″… tudo isso capturou meu coração e me transportou para um mundo onde posso vender o passado, empacotar minhas coisas e pegar uma estrada nova. Tudo bem, vou ficar com marcas de uso, um pouco de ferrugem, partes amassadas e até uns pedaços de arame tentando manter o parachoque traseiro e a placa dianteira no lugar. Mas terei sinaleiras noturnas, trancas fortes e espaço para dar carona.

Nunca fui de sonhar com viagens. Ao contrário de todos os meus alunos. (Se você perguntar para um jovem universitário as três coisas que ele faria se ganhasse na loteria, pode ter certeza de que uma delas será “viajar”. Desde 1992 faço essa pesquisa, nas várias universidades em que trabalhei, e o sonho da viagem está sempre lá.)

Comigo não. Nem hoje nem no tempo que eu tinha vinte e poucos anos eu colocaria viajar na minha lista de desejos. Viajei demais quando era pequena. Tenho a sensação de que vai cair uma bomba no caminho e nunca mais vou poder voltar para casa. Tenho pesadelos frequentes em que estou num carro desgovernado, ou sem faróis, ou onde não enxergo o caminho.

Felizmente, no dia em que vi a kombi amarela, soube escutar uma vontade nova. E lembrei de rir com Sancho: “Quem erra e se emenda a Deus se encomenda!”

Sobre o desenho: Linhas feitas no local em um caderninho com canetas de nanquim Uni-pin 0.4, 0.1 e 0.05mm. (Tirei um foto com celular para lembrar das cores depois.) Pintei em casa com aquarela e caneta-pincel waterbrush da Pentel. A versão original está mais simpática do que essa scaneada… Não consegui dar o tom certo no computador… mas tudo bem. Como diria vovó Trude, o “bom é inimigo do ótimo”.

Sobre a frase de Sancho: está na p. 428 da minha edição de Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes (Ed. Abril Cultural, 1978, trad. dos Viscondes de Castilho e Azevedo). Essa semana tive o privilégio de assistir a palestra da professora Maria Augusta Vieira (USP) sobre a história da recepção desta obra no Brasil, na Casa de Rui Barbosa. Foi o máximo! Mas no final fiquei triste porque ela disse que a minha edição era bem ruinzinha e que eu devia reler tudo no original! Ai ai, como às vezes é melhor a ignorância… (Prometo mais D.Q. em breve!)