Karina Kuschnir

desenhos, textos, coisas


12 Comentários

A tese é viva, viva a tese

poshiroshigep

Quando estava no mestrado e no doutorado, eu tinha um medo constante de encontrar alguém e ouvir a pergunta:

— Sobre o que é a sua tese?

Podia ser qualquer pessoa — querida, distante, acadêmica, leiga, humilde, alegre. Não importava. Se ela soubesse que eu andava estudando muito… lá vinha o questionário:

— O que você anda fazendo? Ah, é uma tese? E sobre o que é? Mas qual é o título? Resume!

É, eu sei. É difícil. Suspirar não adianta. Muita calma nessa hora. A pessoa não vai embora. Será que ela percebeu que estou suando?

Sempre fui péssima com questionários, títulos e resumos. Para vocês terem uma ideia: não fui eu que escrevi o resumo da minha tese. E logo na primeira fala da minha defesa, o que uma professora da banca disse? “– Adorei o resumo!” (E eu pensando: puxa, nem dei os créditos para o verdadeiro autor. Mas pelo menos ele estava na plateia ouvindo o elogio! Shhh, não contem pra ninguém.)

Mas e a tese? Sobre o que é mesmo?

Tem sempre aquele truque de responder com outra pergunta: “– Depende: quantas horas você tem para me ouvir?” Com essa, muitos desistem e te deixam em paz.

Porque falar da tese com tempo é até legal, mas resumir um trabalho que você levou 4 anos para fazer (4, com sorte) em apenas 1, 5, 10, ou até em 20 minutos é uma tortura! (Se vocês estão em casa preparando a apresentação do dia da defesa, sabem bem do que estou falando.)

Explicar a tese no meio do processo, ou assim que a terminamos, é como olhar um quadro impressionista com o nariz colado na tela. Para ver a forma, só se afastando um pouco e pedindo ajuda! É mais ou menos como aquele truque de começar a escrever fingindo que está mandando um carta para o melhor amigo. Me ajudou muito ensaiar a explicação sobre a tese tanto com quem eu me sentia totalmente à vontade (mãe, amiga, namorado) quanto com quem, mesmo sem intimidade, compartilhava meu interesse pela área da pesquisa. Falar, gravar, se ouvir, escrever, ler em voz alta, ensaiar. Tudo isso me ajudava a ver o quadro mais amplo. 

E tem a moldura: dependendo de qual a gente escolhe, tudo muda! Pode ser a área que enfatizamos, o recorte que escolhemos, ou até uma reavalição das teorias ou dos dados empíricos; pode também ser uma outra etapa do trabalho: como reescrever tudo para transformar em livro, numa liguagem acessível ao leitor comum. (Essa, aliás, foi a opção que escolhi, quando tive a oportunidade de publicar minha pesquisa de doutorado. Acho que só consegui porque foi uns dois anos depois da defesa.) 

Mas e aquela perguntinha “sobre o que é a sua tese?”

Hoje em dia, depois de pensar muitos e muitos anos, acho que eu gostaria de ter podido responder sem medo: “– A tese eu ainda não tenho certeza sobre o que é; mas a pesquisa eu amei fazer e posso te contar. Você tá com tempo?”

A tese é viva, viva a tese!

E para quem se interessa pelo mundo acadêmico, o blog tem dicas para aproveitar a defesa de doutorado e outros textos sobre minhas experiências… nos truques da escrita, na elaboração de projetos, nas defesas de tese, nas dores de não passar, na falta de tempo, no ensino deantropologia e desenho, no aprender a desescrever, nas agruras de ser doutoranda, na vida dos alunos, no sorriso do professor, nas lições da vida acadêmica, na importância de não ser perfeito e nas muitas saudades de Oxford 1, 2, 3 e 4!

Sobre o desenho: Desenhos feitos na época em que fiz o calendário de agosto/2015, inpirado nas gravuras do artista japonês Ando Hiroshige. Ao buscar uma ilustração para esse post, achei que essas pessoas sozinhas na chuva lembravam bem a situação dos mestrandos e doutorandos na reta final da pós: a gente se sente meio encharcado e desconfortável. Mas o artista soube olhar de longe e nos mostrar a beleza de andar e navegar mesmo assim — como a Dory, do Nemo; como a Margaret Mee no Amazonas. Para os desenhos, fiz uma aguada bem clarinha de aquarela nas páginas de um caderno Laloran. Depois desenhei a chuva e os personagens com canetinha de nanquim descartável 0.05 e 0.01 (para a chuva, usei uma canetinha gasta) e colori as roupas com aquarela mais concentrada.